Série América Latína Indígena / 1
Povos Indígenas
e a Amazônia
Brasileira
Desafios e
Perspectivas para um
Futuro Sustentável
e Inclusivo
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Indígenas e a Amazônia Brasileira: Desafios e Perspectivas para um Futuro
Sustentável e Inclusivo.” Série América Latina Indígena, #1. Washington,
DC: World Bank. Licença: Creative Commons Attribution CC BY 3.0 IGO.
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Sara Messaggi Macedo
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Texto:
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Edição:
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Desenho Gráfico:
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Ilustração:
Victor Tufani
Fotos:
Chris Diewald / Banco Mundial (Imagens do Projeto DGM Brasil que
atua junto a povos indígenas do Cerrado brasileiro).
Julio Pantoja / Banco Mundial
Agência Brasil
Sumário
Abreviaturas e Siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Prólogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Os Povos Indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
A Pan-Amazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Amazônia Brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
Interação dos Povos Indígenas com a Amazônia brasileira. . . . . . . . . . . . . 26
Principais Desafios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Capítulo 1: Panorama geral dos Povos Indígenas na Amazônia
brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Dados demográficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Direitos Territoriais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Capítulo 2: Desafios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Violência Ligada às Questões Territoriais e Fundiárias. . . . . . . . . . . . . . . . 49
Indígenas Fora de Terras Indígenas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Mudanças Climáticas e REDD+ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Capítulo 3: Perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Fortalecimento institucional, Inclusão, Conservação da Biodiversidade
e Etnodesenvolvimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Recomendações e Estratégias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Anexo 1 Portifólio Brasil – Projetos com relação direta com
Populações Indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia – PSAM (P158000). . . . . 91
Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos Indígenas, Quilombolas e
Comunidades Tradicionais no Âmbito do Programa de Investimento Florestal
– DGM/BRASIL (Fase 2) (P177957). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
Projeto Bahia que Produz e Alimenta (P180429) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável em Pernambuco - PE
Agroecológico (P500431). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
Mato Grosso Produtivo (P175723) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e Sustentável do Mato Grosso – PADIS
MT (P178993). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do
Estado da Bahia – Pró-Rodovias Bahia (P180555). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias no
Brasil –
Estado do Mato Grosso do Sul – Fase 4 (P505590). . . . . . . . . . . . . . . . . . 96
Restituição de Terras como Construção da Paz em Territórios Indígenas
(P504533) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Lista de figuras
Figura 1: Biomas da Amazônia Legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Lista de Cartogramas
Cartograma 1: Terras Indígenas, por situação fundiária – Brasil – 2022 . . 40
Lista de Caixas
Dados Importantes: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Indígenas Isolados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Tese do Marco Temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Educação e Saúde Indígenas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57
Mercado Voluntário de Carbono (MVC); Populações Indígenas e
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
o Banco Mundial
O Caso Paiter-Suruí. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Fortalecimento Institucional: Ministério dos Povos Indígenas. . . . . . . . . 71
Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) e Protocolos de Consulta . . . 75
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
DGM para povos indígenas (ver Anexo 1)
Lista de Tabelas
Tabela 1: Dados Demográficos dos Povos Indígenas da Região Norte
do Brasil - 2022. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
Tabela 2: Povos Indígenas por Etnia e Estados da Região Norte do
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Brasil
Tabela 3: Quadro Resumo dos Dados do Processo Demarcatório de
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
TI’s do Brasil
. . 42
Tabela 4: Terras Indígenas e Área por Estado na Região Norte do Brasil
. . . . . . . . . . . 43
Tabela 5: Terras Indígenas nos Estados da Amazônia Legal
Abreviaturas e Siglas
AAI: Agentes Ambientais e Territoriais Especialistas sobre os Direitos dos Povos
Indígenas Indígenas)
CAR: Cadastro Ambiental Rural FCPF: Forest Carbon Partnership Facility
CCDR: Country Climate and Development FCV: Fragilidade, Conflito e Violência
Report (Relatório sobre Clima e FIP: Forest Investment Program (Programa
Desenvolvimento para o País) de Investimentos Florestais)
CDB: Convenção sobre Diversidade FNRB: Fundo Nacional de Repartição de
Biológica Benefícios
CGen: Conselho de Gestão do Patrimônio FUNAI: Fundação Nacional do Índio
Genético
GEE: Gases de Efeito Estufa
CIMI: Conselho Indigenista Missionário
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e
CLPI: Consulta Livre, Prévia e Informada Estatística
CPF: Country Partnership Framework INEP: Instituto Nacional de Estudos e
(Estratégia de Parceria do Banco Mundial) Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
DETER: Sistema de Detecção de IPAM: Instituto de Pesquisa Ambiental da
Desmatamento em Tempo Real Amazônia
DGM: Dedicated Grant Mechanism for MOU: Memorandum of Understanding
Indigenous Peoples and Local Communities (Memorando de Entendimento)
(Mecanismo de Doação Dedicado a Povos
MPF: Ministério Público Federal
Indígenas e Comunidades Locais)
MPI: Ministério dos Povos Indígenas
DSEI: Distritos Sanitários Especiais
MVC: Mercado Voluntário de Carbono
Indígena
NAS: Norma Ambiental e Social
EMRIP: Expert Mechanism on the Rights
ODS: Objetivos de Desenvolvimento
of Indigenous Peoples (Mecanismo de
Sustentável
8
OIT: Organização Internacional do SisGen: Sistema Nacional de Gestão do
Trabalho Patrimônio Genético e do Conhecimento
PCFS: Projeto de Carbono Florestal Paiter- Tradicional Associado
Suruí SPF: State and Peacebuilding Fund
PEC: Proposta de Emenda Constitucional STF: Supremo Tribunal Federal
PGTA: Plano de Gestão Territorial e TIs: Terras Indígenas
Ambiental UC: Unidades de Conservação
PIB: Produto Interno Bruto UNDRIP: United Nations Declaration on the
PL: Projeto de Lei Rights of Indigenous Peoples (Declaração
PNGATI: Política Nacional de Gestão das Nações Unidas sobre os Direitos dos
Territorial e Ambiental de Terras Indígenas Povos Indígenas)
PRODES: Projeto de Monitoramento do UNFCCC: United Nations Framework
Desmatamento na Amazônia Legal Convention on Climate Change
(Convenção-Quadro das Nações Unidas
PSE: Pagamento de Serviços
sobre Mudanças Climáticas)
Ecossistêmicos
UNPFII: United Nations Permanent Forum
QAS: Quadro Ambiental e Social do Banco
on Indigenous Issues (Fórum Permanente
Mundial
das Nações Unidas sobre Questões
REDD+: Redução de Emissões por
Indígenas)
Desmatamento e Degradação Florestal
UN-REDD: United Nations Collaborative
SAD: Sistema de Alerta de Desmatamento
Programme on Reducing Emissions from
SESAI: Secretaria de Saúde Indígena
Deforestation and Forest Degradation in
SII: Sistema Indigenista de Informações Developing Countries
9
Prólogo
Os Povos Indígenas e as Terras Indígenas desempenham um papel
fundamental na proteção das florestas e biomas contra o desmatamento,
na conservação da biodiversidade e na regulação do equilíbrio climático.
No Brasil, dados revelam que as Terras Indígenas protegem 20,3% das
florestas nacionais. Além disso, em Unidades de Conservação onde é
permitida a ocupação tradicional, as Terras Indígenas apresentam os
mais altos índices de preservação da vegetação nativa, destacando-
se em comparação com outras categorias de áreas protegidas.
Entretanto, o legado de séculos de exploração e marginalização, expõem os
povos indígenas a profundas desigualdades sociais, precariedades no acesso
a serviços básicos e uma ainda crescente escalada de ameaças e violações
de seus direitos. O avanço do garimpo ilegal, o desmatamento, as invasões de
terras tradicionais, e a perseguição a lideranças indígenas têm colocado em
risco suas vidas, culturas e modos de subsistência, assim como comprometido
os benefícios ambientais globais associados à preservação desses territórios.
O Banco Mundial reconhece que a proteção dos direitos dos povos indígenas é
um componente fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável.
Esses direitos estão intrinsecamente ligados à conservação ambiental, à redução
da pobreza e desigualdades, e ao enfrentamento das mudanças climáticas.
A Estratégia de Parceria do Banco Mundial – do inglês Country Partnership
Framework – com o Brasil, construída a partir de um processo de diálogo com
lideranças indígenas e representantes de suas organizações, reflete esse
compromisso. Essa estratégia prioriza a segurança fundiária, a promoção de
meios de subsistência sustentáveis, o fortalecimento das instituições e da gestão
10
responsável dos recursos naturais, a redução das desigualdades étnico-raciais
e de gênero, além da construção de uma Amazônia verde, próspera e habitável.
Por meio de parcerias com o governo federal, governos locais, e
organizações da sociedade civil, nossos projetos e operações visam não
só evitar impactos adversos, mas, principalmente, identificar oportunidades
concretas de melhoria dos meios de vida dos povos indígenas. Sabemos
que essa não é uma tarefa simples – são necessárias mudanças profundas,
sustentáveis e pautadas em compromissos políticos, sociais, econômicos
e ambientais nos mais diversos níveis. No entanto, acreditamos que é
possível alcançar esses objetivos se conseguirmos avançar de forma
conjunta, com ações coordenadas, de forma rápida, ampla e sustentável.
Este relatório traz um panorama dos desafios dos povos indígenas na
Amazônia brasileira, assim como perspectivas e recomendações que, em
alinhamento às estratégias de atuação do Banco Mundial, buscam o aumento
dos benefícios e dos impactos positivos nesses esforços. Mais do que
tudo, ele reafirma o compromisso do Banco Mundial com
um desenvolvimento inclusivo e sustentável,
que reconheça a riqueza cultural e
ambiental dos povos indígenas
como um alicerce essencial
para a construção de um
futuro justo, equilibrado e
próspero para todos.
Johannes Zutt
Diretor do Banco Mundial para o Brasil
11
Agradecimentos
Este relatório é produto do Departamento de Desenvolvimento
Social do Banco Mundial para America Latina e o Caribe
e faz parte da série América Latina Indígena.
A equipe responsável pela elaboração deste relatório utilizou documentos e
relatórios produzidos pelos projetos Programa Paisagens Sustentáveis da
Amazônia – PSAM (P158000), o Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos
Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais no Âmbito do Programa
de Investimento Florestal – DGM/BRASIL (Fase 2) (P177957), Projeto Bahia
que Produz e Alimenta (P180429), Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável em Pernambuco – PR Agroecológico (P500431), Mato Grosso
Produtivo (P175723), Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e Sustentável do
Mato Grosso – PADIS MT (P178993), Programa de Manutenção Proativa,
Segura e Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia – Pró-Rodovias Bahia
(P180555), Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das
Rodovias no Brasil – Estado do Mato Grosso do Sul – Fase 4 (P505590), e o
Projeto Restituição de Terras como Construção da Paz em Territórios Indígenas
(P504533). Agradecemos às equipes destes projetos pelas suas contribuições.
Agradecemos também a longa parceria entre o Banco Mundial, a Fundação
Nacional dos Povos Indígenas, e o Ministério dos Povos Indígenas por
meio de um Memorando de Entendimento com foco na promoção dos
direitos dos povos indígenas, assinado entre ambas as partes no dia 24
de junho de 2024 com a presença da Ministra dos Povos indígenas, Sônia
Guajajara, e o diretor para o país do Banco Mundial, Johannes Zutt. A equipe
12
do Banco Mundial agradece o Departamento de Mediação e Conciliação
de Conflitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas pela revisão e
envio de comentários detalhados que ajudaram a aprimorar o relatório.
Esse documento está alinhado ao Memorando Econômico Equilíbrio Delicado
para a Amazônia Legal Brasileira (2023), que busca fornecer um caminho
que proporcione maior renda para a população, e ao mesmo tempo proteger
as florestas naturais e os modos de vida tradicionais. Além disso, tem como
documento de apoio e referência o relatório interno do Banco Mundial:
Indigenous Peoples and Sustainable Development in the Legal Amazon -
Technical Notes: a Contribution to The Amazon Economic Memorandum.
Por fim, o relatório foi inspirado e está em consonância com a Estratégia de
Parceria do Banco Mundial para o Brasil e o Quadro Ambiental e Social do
Banco Mundial (ESF), fruto de importantes consultas com representantes
relevantes de comunidades indígenas e tradicionais. Esperamos que
este relatório contribua para amplificar suas vozes e perspectivas.
13
Foto: Agência Brasil
14
Introdução
Os Povos Indígenas
Segundo a definição adotada pelo Grupo Banco
Mundial em sua página oficial dedicada ao tema,
os Povos Indígenas são grupos sociais e culturais
distintos que compartilham laços ancestrais coletivos
com as terras e recursos naturais onde vivem,
ocupam ou dos quais foram deslocados. A terra e
os recursos naturais dos quais dependem estão
inextricavelmente ligados às suas identidades,
culturas, meios de subsistência, bem como ao
seu bem-estar físico e espiritual. Eles geralmente
subscrevem seus líderes e organizações
habituais para representação que são distintas
ou separadas daquelas da sociedade ou cultura
dominante. Muitos Povos Indígenas ainda mantêm
uma língua distinta da língua ou línguas oficiais
do país ou região onde residem; no entanto,
muitos também perderam suas línguas ou estão
à beira da extinção devido ao despejo de suas
terras e/ou mudança para outros territórios.1
1 https://www.worldbank.org/en/topic/indigenouspeoples
15
Estima-se que existam 476 milhões de indígenas em todo o
mundo, o que representa cerca de 6% da população global.
Contudo, eles representam aproximadamente 19% dos pobres
extremos do mundo. Além disso, possuem uma expectativa
de vida mais baixa do que a população não indígena e,
frequentemente, não têm reconhecimento formal sobre
suas terras, territórios e recursos naturais. Tal situação, em
muitos casos, é uma das principais fontes das violências e
vulnerabilidades às quais estão sujeitos, se misturando à
precarização dos investimentos públicos em serviços básicos
e infraestrutura para seu atendimento. Somado a esse cenário
são identificadas importantes barreiras para que tenham
acesso à justiça e para sua participação nos processos
políticos e de tomada de decisões que podem os afetar.
Cerca de um quarto da superfície do globo está sob os auspícios
dos Povos Indígenas, territórios que abrangem parte significativa
da biodiversidade mundial, quase metade de suas áreas
protegidas e uma proporção significativa das paisagens mais
ecologicamente intactas do planeta. Grande parte das terras
1/4 da
ocupadas pelos Povos Indígenas está sob posse consuetudinária,
superfície
mas nem sempre lhes são reconhecidas de forma integral e com do globo
base em aspectos legais. Mesmo quando territórios e Terras está sob os
Indígenas são reconhecidos, a proteção de fronteiras ou o uso e auspícios
exploração dos recursos naturais muitas vezes são inadequados. dos Povos
A insegurança fundiária é um fator que gera conflitos, Indígenas
degradação ambiental e fraco desenvolvimento econômico
e social. Isso ameaça a sobrevivência cultural e os sistemas
vitais de conhecimento, aumentando ainda mais a condição de
vulnerabilidade desses grupos e, por consequência, ampliando
os riscos à biodiversidade e a sistemas ecológico únicos – que,
por sua vez, impactam os serviços ecossistêmicos dos quais toda
uma cadeia de seres (humanos e não humanos) dependem.
16
A fim de enfrentar tais limitações e buscar a ampliação dos benefícios aos
Povos Indígenas, o Banco Mundial, tem, dentre as normas ambientais
e sociais que compõem o seu Quadro Ambiental e Social (QAS), uma
norma voltada aos Povos Indígenas/Comunidades Locais Tradicionais
Historicamente Desfavorecidas da África Subsaariana (NAS7). Esta norma
contribui para a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável,
garantindo que os projetos apoiados pelo Banco aumentem as oportunidades
para os Povos Indígenas participarem e se beneficiarem dos investimentos
financiados pelo Banco de forma a respeitar seus direitos coletivos,
promovendo suas aspirações e garantido que suas identidades culturais
e modos de vida únicos não sejam ameaçados ou impactados. A NAS 7
indica ainda que o consentimento livre, prévio e informado deve ser obtido
em condições específicas, incluindo quando um projeto se propõe a usar
o patrimônio cultural desses povos – prevendo que, nesses casos, eles
devem ser capacitados a compartilhar equitativamente os benefícios a
serem derivados do desenvolvimento comercial desse patrimônio cultural
(material e imaterial), de maneira coerente com os seus costumes e
tradições. Atualmente, a NAS7 está sendo aplicada em aproximadamente
33% dos empréstimos de investimento do Banco em todo o mundo.2
Para o caso brasileiro, sobre o qual os detalhes serão apresentados no
presente documento, o cenário não está distante deste ilustrado acima
em escala global. Contudo, dadas as características particulares do
país, tanto com relação à população indígena que habita seus limites
territoriais quanto com relação aos biomas que ocupam, há pontos
essenciais sobre os quais as atenções devem repousar. Dentre essas
particularidades, apesar de toda a diversidade relacionada ao tema,
tem-se o fato de estar em território brasileiro a maior parte do bioma
amazônico, que abriga uma enorme diversidade ecológica e social.
2 Ver Anexo 1 para uma breve listagem dos principais Projetos (em preparação ou
implementação) que, hoje, integram o portfólio do escritório no Brasil e possuem
relação significativa com Povos Indígenas.
17
A Pan-Amazônia
O bioma amazônico se estende por nove países da América Latina (Brasil,
Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela
e Suriname), além de abranger partes de territórios ultramarinos. Sua
composição inclui vastas florestas tropicais e vegetação não florestal
(cerrados e campos naturais), terras agrícolas, zonas úmidas e áreas
urbanas. Além disso, o rio Amazonas e seus afluentes compõem a bacia
amazônica (a maior bacia hidrográfica do planeta), abrangendo cerca de
25 mil quilômetros de rios navegáveis. No total, são cerca de 7 milhões de
km² ocupados pelo bioma, que abrigam a maior floresta tropical do mundo,
sendo que as Terras Indígenas e Áreas Protegidas em geral ocupam quase
metade desse território. As maiores áreas do bioma estão situadas no
Brasil (62%), seguido do Peru (11%), Bolívia (8%) e Colômbia (6%).3
Dentre diversos atributos superlativos, a Amazônia é reconhecida por ser
o maior sistema de água doce do planeta, com a rede do rio Amazonas
transportando 20% da água doce do mundo; por representar 40% da floresta
tropical remanescente do mundo; e por abrigar 10% da biodiversidade
conhecida em todo o globo. Estas características, combinadas a outras,
a faz responsável por armazenar de 150 a 200 bilhões de toneladas de
carbono e absorver, anualmente, 5% das emissões globais de gases de
efeito estufa. Do ponto de vista social e demográfico, 47 milhões de pessoas
vivem no bioma, sendo que mais de 70% estão em áreas urbanas. Desse
total, são aproximadamente 2,2 milhões de indígenas, que se organizam
em cerca de 410 povos ou grupos, que falam 300 línguas diferentes.
As características da Amazônia, por um lado, apontam para um potencial
relevante no que diz respeito à prestação de serviços ecossistêmicos
associados ao estoque, à preservação e à manutenção de reservas de água
doce, a atividades associadas à regulação climática, à produção de alimentos,
3 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente
e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/
uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf, acessado em
09/09/2024).
18
Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial
ao fornecimento de matéria-prima e conhecimentos para a produção de
medicamentos e a uma fonte inesgotável de saberes e práticas culturais e
tradicionais – que, por sua vez, têm a possibilidade de proporcionarem meios
de subsistência e desenvolvimento econômico para sua população e para a
região. Por outro lado, vive-se, na prática, uma situação paradoxal, em que
a realidade refletida pelos indicadores socioeconômicos revela um estado de
pobreza e desassistência (mesmo dada a riqueza de recursos naturais). Os
estados/departamentos/províncias das áreas cobertas pela floresta amazônica
nos distintos países, em geral, são as regiões mais pobres de seus países,
sendo que 40% da população do bioma vive abaixo da linha da pobreza e
50% das famílias não têm acesso a serviços básicos de saneamento.
Apesar do progresso na redução da desigualdade, as minorias
étnicas e as mulheres enfrentam níveis mais altos de pobreza, de
analfabetismo e de mortalidade infantil, além de taxas mais baixas de
educação. Também ressalta-se os altos índices de relatos de violência
de gênero. Há, ainda, a indicação de que faltam oportunidades
econômicas sustentáveis e de que os serviços públicos são insuficientes
para atender as demandas do território e de sua população.
19
Amazônia Brasileira
No caso brasileiro, a região amazônica possui dois territórios geográficos:
o bioma Amazônia e a Amazônia Legal. O bioma ocupa 4,2 milhões de
quilômetros quadrados, divididos entre seis estados do Brasil – Acre, Amapá,
Amazonas, Pará, Roraima e Rondônia – e partes da área dos estados do
Maranhão, Mato Grosso e Tocantins; englobando vários tipos de florestas
tropicais úmidas, extensa rede hidrográfica e enorme biodiversidade.4
A Amazônia Legal, por sua vez, possui aproximadamente 5 milhões de
quilômetros quadrados, representando cerca de 60% do território nacional.5
Instituída em 1953 a partir da necessidade do estabelecimento de limites
territoriais para a concepção de estratégias de desenvolvimento econômico
da região, seus limites, portanto, não se resumem ao ecossistema de selva
úmida, que ocupa 49% do território nacional. A região é composta por 772
municípios, divididos entre os estados Rondônia (52); Acre (22); Amazonas
(62); Roraima (15); Pará (144); Amapá (16); Tocantins (139); Mato Grosso
(141) e Maranhão (181) – sendo que, no caso do Maranhão, são consideradas
apenas as áreas dos municípios situados ao oeste do Meridiano 44º, dos
quais 21 deles estão parcialmente integrados na Amazônia Legal.
4 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente
e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/
uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf (acessado em
09/09/2024).
5 https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/geologia/15819-amazonia-
legal.html?=&t=o-que-e (acessado em 20/05/2024).
20
FIGURA 1: BIOMAS DA AMAZÔNIA LEGAL
Fonte: Relatório Fatos da Amazônia: meio ambiente e uso do solo.
Projeto Amazônia 2030 (p. 21)
Do ponto de vista demográfico, a população da Amazônia Legal
triplicou nos últimos 50 anos, atingindo 28,4 milhões de habitantes em
2021, sendo que um terço desse contingente vive nas nove capitais
e suas regiões metropolitanas. Os estados mais populosos são o
Pará (8,8 milhões de habitantes) e Maranhão (5,9 milhões).6
Em termos nacionais, a Amazônia fornece serviços ecossistêmicos para o Brasil
que são estimados em US$ 317 bilhões por ano. Em termos regionais e globais,
a floresta e suas dinâmicas cumprem um importante papel nos equilíbrios
ecológicos que atuam no planeta. O bioma amazônico é uma das maiores áreas
6 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia: socioeconomia.
Projeto Amazônia 2030.
21
naturais que ainda tem potencial para permanecer conservado e manejado
de forma sustentável na Terra, além de abrigar espécies florais e faunísticas
endêmicas e ameaçadas e desempenhar um papel crítico na regulação climática
(com 70 bilhões de toneladas de estoques de carbono). A floresta amazônica é
responsável pela provisão de diversos serviços ecossistêmicos indispensáveis
para o bem-estar da humanidade e o equilíbrio global, como manutenção do
ciclo da água, manutenção e estabilidade do clima, ciclagem de nutrientes,
fornecimento de alimentos, fibras, combustíveis, entre outros. Por outro lado, o
desmatamento tropical é um importante impulsionador das mudanças ambientais
globais, dados seus impactos no ciclo do carbono e na biodiversidade. A perda
da floresta amazônica é particularmente preocupante devido ao tamanho e à
rápida velocidade com que a floresta está sendo convertida para outros usos.
A maior parte de sua área (84,1%) permanece preservada, mas a taxa
média anual de desmatamento acelerou durante um intervalo de alguns
anos, após um longo período de declínio – desde 2022 tem se observado,
mais uma vez, uma tendência de queda nas taxas de desmatamento. A taxa
anual de desmatamento vinha diminuindo – 14.000 km2 nos últimos 30 anos,
12.000 km2 nos últimos 20 anos e 6.500 km2 nos últimos 10 anos – mas
acelerou para 7.660 km2 entre 2018 e 2022. Embora o desmatamento tenha
diminuído em 22,7% na região amazônica em 2023, os riscos da mudança
climática ainda são pressionados pelos altos níveis de emissões geradas pela
transformação do uso da terra nos ecossistemas da Amazônia e do Cerrado.
Contudo, assim como indicado para a Pan-Amazônia, considerando
todos os países pelos quais o bioma se estende, no caso nacional não
se pôde escapar de uma condição na qual a riqueza socioecológica da
floresta não se encontra refletida nas condições de vida de sua população.
Dentre as regiões brasileiras, considerando os rendimentos domiciliares
per capita médios, a Região Norte é a segunda mais pobre do país, com
rendimentos de R$ 1 0967 – muito pouco à frente da Região Nordeste,
7 Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população
brasileira: IBGE, 2023.
22
Dados
Importantes:
cerca de
60% 44%
da Amazônia brasileira é composta por
do bioma áreas protegidas, incluindo Unidades de
amazônico Conservação e Territórios Indígenas.
está no brasil
56 milhões de hectares
28 de terras ainda não
designadas
milhões de
pessoas
(mais de 75%
vivem em vilas 90% de todo o
e cidades) desmatamento na Amazônia
brasileira é ilegal.
As emissões de
GEE do Brasil são
95% do desmatamento
é produzido em um raio de
dominadas pela
5,5 km de alguma estrada,
mudança no uso da
principalmente no “arco do
terra (52%) e pela
desmatamento”.
agricultura (24%).
37 milhões de hectares de
pastagens já degradadas na
Amazônia.
23
Foto: Julio Pantoja/ Banco Mundial
a mais pobre do Brasil segundo esse critério (R$ 1 011)8. Em termos de
contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB), a Região Norte é aquela
que menos contribui, com cerca de 6% do PIB nacional em 2023.
Segundo dados apresentados no Relatório sobre Clima e Desenvolvimento
para o País: Brasil (2023)9, produzido pelo Grupo Banco Mundial, a
degradação contínua vem colocando esse ecossistema em risco, pois o bioma
amazônico está rapidamente caminhando para um cenário de não retorno –
para além do qual grandes áreas da bacia amazônica não mais teriam chuvas
8 Para efeitos de comparação, as demais Regiões brasileiras apresentam os seguintes
números: Sul (R$ 1 927), Sudeste (R$ 1 891) e Centro-Oeste (R$ 1 857).
9 Do inglês, Country Climate and Development Report (CCDR).
24
suficientes para sustentar os ecossistemas nativos ou fornecer serviços
ecossistêmicos essenciais, tais como mitigação da erosão, abastecimento
e purificação da água, biodiversidade e armazenamento de carbono. Ou
seja, caso o Brasil não consiga conter o desmatamento e a conversão de
terras, a Amazônia poderá chegar a um ponto de inflexão, resultando na
destruição permanente da floresta e em impactos sobre os padrões de
precipitação em todo o país e na América do Sul10. Por outro lado, se o
Brasil atingisse sua meta de desmatamento zero em 2030, 1,4 Gtons seriam
reduzidos anualmente (equivalente à emissão anual de veículos nos EUA).
Apesar do bom progresso feito desde o início de 2023, são necessárias
mudanças estruturais e consenso político para evitar a reversão. Sobretudo,
quando se considera que o desmatamento é sistemático e intencionalmente
impulsionado pela especulação de terras e atividades ilegais, seguido pela
pecuária extensiva e, finalmente, pela expansão da agricultura. Agravando
tal cenário, o crime organizado se espalhou para a Amazônia brasileira
(mineração ilegal, tráfico de drogas, extração ilegal de madeira), afetando a
segurança pública. Complementa este cenário o fato de que os incentivos
fiscais atuais favorecem o desmatamento (transferência fiscal baseada no
crescimento econômico). É necessário, portanto, um ato de equilíbrio para
criar a governança que proteja as florestas e os modos de vida tradicionais
e, ao mesmo tempo, ofereça um caminho para maiores rendas e inclusão.
10 Esse risco também é uma realidade para o Cerrado.
25
Interação dos Povos Indígenas com
a Amazônia Brasileira
A literatura científica tem reconhecido que a região amazônica apresenta
uma notável diversidade sociocultural e uma grande multiplicidade de
identidades étnicas específicas – especialmente as indígenas. Esses povos
possuem diferentes visões, valores e interesses sobre como usar, interagir
e vivenciar a natureza para garantir uma boa qualidade de vida. Ao mesmo
tempo, os grupos indígenas são detentores de saberes tradicionais por meio
dos quais são capazes de acessar de maneira ímpar os elementos e as
relações socioecológicas das quais a floresta (mas não só) é composta.
Por um lado, essa diversidade cultural e populacional é um desafio
para as políticas públicas que visam melhorar as condições de vida das
populações vulneráveis, pois devem levar em conta as circunstâncias
culturais e organizacionais específicas das comunidades. Por outro, essa
sociodiversidade está associada à heterogeneidade ecológica e contribui
para a sustentabilidade e amplia as contribuições da natureza amazônica
para o bem-estar dos povos (não apenas indígenas). Como já indicado,
grande parte das áreas que se mantêm preservadas na Amazônia consistem
em áreas protegidas, dentre elas, Terras Indígenas (TI’s). Os Povos
Indígenas e as Terras Indígenas (assim como as comunidades tradicionais
e as Unidades de Conservação) na Amazônia brasileira desempenham,
portanto, um papel fundamental na proteção da floresta tropical contra o
desmatamento e a degradação, na conservação da biodiversidade e na
regulação do equilíbrio climático do país e da região. Todos esses grupos
dependem de meios de subsistência centrados na floresta baseados na caça,
pesca e coleta, bem como na agricultura de subsistência e na exploração
de madeira e outros recursos florestais usando tecnologia artesanal.
Desempenhando um papel tão fundamental para a preservação da floresta,
os Povos Indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia têm demandas
específicas. Sua realidade social está longe de ser satisfatória e muitas
vezes é invisível devido à falta de dados, de pesquisas e, sobretudo, de
26
ações e políticas específicas e bem informadas voltadas para
esses grupos. De fato, é reconhecido que seu modo de vida
tradicional é determinante para manter a saúde da floresta
amazônica brasileira. Por meio de dados obtidos a partir da
metodologia implementada na plataforma Calculadora de
Carbono do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia estima-se
(IPAM) e, tomando como base o ano de 2022, estima-se que que as
as Terras Indígenas na Amazônia detenham 27% da área
Terras
florestal e armazenem cerca de 14 bilhões de toneladas de
carbono (GtonC)11. No entanto, apesar de se observar uma
Indígenas
tendência de queda do desmatamento desde 2023, no passado
na Amazônia
recente o Brasil e a Amazônia (em particular) vivenciaram detenham
um aumento nas agressões contra populações tradicionais 27% da área
e de invasão de Terras Indígenas; período em que também florestal e
aumentaram os alertas de desmatamento dentro de Terras armazenem
Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia brasileira. cerca de 14
bilhões de
Nesse sentido, o olhar atento para os povos originários não
apenas é uma questão fundamental e urgente em si, dado o
toneladas
princípio básico de reconhecimento e respeito que devem ser
de carbono
devotados a qualquer coletivo humano que habite nosso planeta (Gton C)
(e, em especial, aqueles formados por grupos minoritários e/
ou que se encontrem em situação de vulnerabilidade) – e
isso já seria motivo suficiente –, mas, também, se apresenta
com uma possibilidade de aprendizado em busca de uma
orientação que aponte para formas viáveis e inovadoras para
a promoção de um desenvolvimento inclusivo e sustentável,
ao mesmo tempo em que se combata as mudanças climáticas,
visando um mundo livre de pobreza em um planeta habitável.
11 Para mais informações, ver: https://carboncal.org.br/
27
Foto: Julio Pantoja/ Banco Mundial
Principais Desafios
Diante de tal cenário, no qual a região amazônica vem de um período
recente com recordes de desmatamento (ainda que nos últimos dois anos
essa tendência tenha se invertido), aumento da violência e agravamento
das condições sociais, os Povos Indígenas, dadas as suas características
sociais, culturais, demográficas, acabam por se tornarem os grupos mais
sujeitos às consequências nefastas desse estado de coisas. Três grandes
eixos, quando pensados à luz dos interesses (e da segurança) dos Povos
Indígenas, parecem ganhar relevância quando analisados sob o prisma da
realidade atual da região amazônica, quais sejam: (i) violência fundiária;
(ii) presença de grande número de indígenas nas cidades da região; e
(iii) efeitos e consequências decorrentes das mudanças climáticas.
28
Contudo, em grande parte, os fatores que contribuem para a crise atual
apresentam elementos que podem servir de base para a sustentabilidade da
região. Esse contexto constitui o paradoxo amazônico, ou seja, é possível que
a partir de uma situação aparentemente insolúvel surja um novo modelo de
desenvolvimento regional baseado no uso sustentável dos recursos naturais
da floresta e na sociodiversidade. Neste (potencial) novo modelo, os Povos
Indígenas e seus conhecimentos podem (e devem) exercer protagonismo.
Neste novo contexto deve-se pensar nesses grupos não apenas pela chave
da proteção pura e simples, mas sim como referências, modelos e exemplos
daquilo que pode ser feito. Nesse sentido, a proteção anda de mãos dadas
com a valorização desses povos e seus saberes, de modo que, sem a
garantia de sua proteção não há como aprender com eles e, uma vez que
se aprenda com eles, naturalmente estarão sendo protegidos (assim como
todo o bioma que os abriga e com o qual eles interagem e coexistem).
29
Foto: Agência Brasil
30
Capítulo 1
Panorama geral
dos Povos
Indígenas
na Amazônia
brasileira
Dados Demográficos
De acordo com o último Censo Demográfico oficial
(2022) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), os Povos Indígenas estão presentes nas
cinco regiões do país e somam 1.693.535 pessoas
(0,83% da população total do país). Se comparado
aos números do Censo anterior, de 2010, a população
indígena praticamente dobrou no período, registrando
31
uma variação positiva de quase 90%12. A população residente nas Terras
Indígenas é de 689.202 (622.066 indígenas e 67.136 não indígenas), ou
seja, 1.071.469 (63,27%) de indígenas vivem fora de áreas demarcadas.
Com relação ao contingente de indígenas vivendo dentro de Terras Indígenas,
quase metade dessa população está na Região Norte, com 338.547 (49,12%)
pessoas. Em números totais, a região abriga 753.357 indígenas (44,48% de
todos que vivem no Brasil). O estado do Amazonas tem a maior população
indígena do país: 490.894 pessoas. Eles representam aproximadamente
20% dos Povos Indígenas no Brasil e 12,45% da população do estado.
TABELA 1: DADOS DEMOGRÁFICOS DOS POVOS INDÍGENAS DA
REGIÃO NORTE DO BRASIL - 2022
Estados da População dos % da População
Região Norte Povos Indígenas do Estado
Acre 31 699 3,82%
Amapá 11 334 1,55%
Amazonas 490 854 12,45%
12 Vale destacar que, do ponto de vista metodológico, houve uma alteração entre os
Censos Demográficos de 2010 e 2022. Enquanto naquela pesquisa a pergunta
de cobertura Você se considera indígena? era restrita às Terras Indígenas e foi
responsável por 15,26% da captação da população indígena no recorte de Terra
Indígena, e 8,80% no total de indígenas do Brasil, em 2022 essa pergunta de
cobertura foi realizada à população residente do conjunto de localidades indígenas
representadas pelo IBGE na cartografia censitária de base para o censo, mantendo-se
a regra de abertura: aquelas pessoas que, no quesito cor ou raça, não se declarassem
indígenas respondiam à pergunta de cobertura Você se considera indígena? Em 2022,
essa pergunta foi responsável por 27,58% do total de pessoas indígenas residentes no
Brasil, por 3,55% do total de pessoas indígenas residindo dentro de Terras Indígenas
e por 41,53% residindo fora de Terras Indígenas no País. Tal mudança atendeu à
recomendações de representes de Povos Indígenas que indicaram que no censo
anterior houvera uma subnumeração da população indígena fora das Terras Indígenas.
32
Estados da População dos % da População
Região Norte Povos Indígenas do Estado
Pará 80 974 1,0%
Rondônia 21 153 1,34%
Roraima 97 320 15,29%
Tocantins 20 023 1,32%
Total 753 357
Sete dos dez municípios do país com maior número de Povos Indígenas
em sua população estão localizados na Região Norte (seis no estado do
Amazonas e um em Roraima). São eles Boa Vista – capital de Roraima
– com 20.410 indígenas e os municípios amazonenses de Manaus, a
capital do estado, com 71.713 indígenas residentes, São Gabriel da
Cachoeira (48.256 pessoas), Tabatinga (34.497 pessoas), São Paulo de
Olivença (26.619 pessoas), Autazes (20.442 pessoas) e Tefé (20.394
pessoas). De forma similar, seis dos dez municípios do país com maior
participação de indígenas em sua população estão localizados na Região
Norte: São Gabriel da Cachoeira, Amaturá, São Paulo de Olivença e
Santa Isabel do Rio Negro (AM); Normandia e Uiramutã (Roraima).
Esses Povos Indígenas pertencem a 305 etnias diferentes e falam 274
línguas indígenas. Os Povos Indígenas encontrados nos sete estados
da Região Norte pertencem a 164 grupos diferentes (ver Tabela 2).
33
TABELA 2: POVOS INDÍGENAS POR ETNIA E ESTADOS DA REGIÃO
NORTE DO BRASIL
Estados Povos Indígenas na Região Norte do Brasil
Acre Arara do Rio Amônia, Arara Shawãdawa,
Ashaninka, Huni Kuin, Katukina Pano,
Kuntanawa, Manchineri, Nawa, Nukini, Puyanawa,
Shanenawa, Yaminawá and Yawanawá.13
Amapá Galibi do Oiapoque, Galibi Marworno, Karipuna
do Amapá, Palikur and Wajãpi.14
Amazonas Apuriña, Arapaso, Banawá, Baniwa, Barasana, Bará, Baré,
Borari, Deni, Desana, Dâw, Hixkaryana, Hupda, Jamamadi,
Jarawara, Jiahui, Juma, Kaixana, Kambeba, Kanamari,
Karapanã, Katuenayana, Katukina do Rio Biá, Kaxarari,
Kaxuyana, Kokama, Koripako, Korubo, Kotiria, Kubeo,
Kulina, Kulina Pano, Makuna, Maraguá, Marubo, Matis,
Matsés, Miranha, Mirity-tapuya, Munduruku, Mura, Nadöb,
Parintintim, Paumari, Pira-tapuya, Pirahã, Sateré Mawé,
Siriano, Tariana, Tenharim, Ticuna, Torá, Tsohom-dyapa,
Tukano, Tuanayana, Tuyuka, Waimiri Atroari, Waiwai,
Warekena, Witoto, Yanomami, Yuhupedeh and Zuruahã.15
13 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Acre.
14 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Amap%C3%A1.
15 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Amazonas.
34
Estados Povos Indígenas na Região Norte do Brasil
Pará Aikewara, Amanyé, Anambé, Aparai, Apiaká, Arapiuns,
Arara, Arara da Volta Grande, Arara Vermelha, Araweté,
Asurini do Tocantins, Asurini do Xingu, Borari, Cara Preta,
Gavião Parkatêjê, Guarani, Guarani Mbya, Hixkaryana,
Jaraqui, Karajá, Katuenayana, Katxuyana, Kayapó
Xikrin, Kuruaya, Mebêngôkre, Munduruku, Panará,
Parakanã, Tapajó, Tembé, Tiriyó, Tunayana, Tupaiú,
Turiwara, Waiwai, Wajãpi, Wayana, Xipaya and Zo`é.16
Rondônia Aikanã, Akuntsu, Amondawa, Apurinã, Arikapú, Aruá,
Cinta Larga, Djeoromitxí, Guarasugwe, Ikolen, Kanoê,
Karipuna de Rondônia, Karitiana, Karo, Kassupá,
Kaxarari, Kujubim, Kwazá, Makurap, Migueleno,
Nambikwara, Oro Win, Puruborá, Sakurabiat, Surui
Paiter, Tupari, Uru-Eu-Wau-Wau, Wajuru and Wari’.17
Roraima Ingarikó, Macuxi, Patamona, Sapará, Taurapang, Waimiri
Atroari, Waiwai, Wapichana, Yanomami and Ye`kwana.18
Tocantins Apinajé, Avá-Canoeiro, Guarani Mbya, Javaé,
Karajá, Karajá do Norte, Krahô, Krahô-
Kanela, Tapirapé and Xerente.19
16 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_
Par%C3%A1.
17 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_em_
Rond%C3%B4nia.
18 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_em_Roraima.
19 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Tocantins.
35
Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial
Ainda de acordo com os dados do Censo 2022 do IBGE, considerando
o território amazônico para além dos estados do Norte, tendo em conta,
agora, o recorte da Amazônia Legal, foram registradas 867.919 pessoas
indígenas nos municípios que integram tal território. Isso representa
3,26% da população residente total da região, sendo 51,25% do universo
da população indígena residente no Brasil. Na Amazônia Legal foram
recenseados 403.287 indígenas residindo em Terras Indígenas, o que
representa 64,83% da população indígena nacional nessas áreas. Com
relação à população indígena residente em territórios oficialmente delimitados
(Terras Indígenas), a realidade da Amazônia Legal mostra números
(46,47%) superiores aos da população indígena do país (36,73%).20
20 Censo Demográfico 2022. Indígenas: Primeiros resultados do universo (pp. 113-4).
36
Indígenas Isolados
Também há evidências de Povos Indígenas isolados na Amazônia. O governo
brasileiro reconhece a existência de 114 registros de Povos Indígenas que
decidiram viver separados ou em isolamento voluntário de outros grupos
indígenas ou não indígenas e são encontrados principalmente na região da
Amazônia Legal. Esse total de registros, com base na metodologia utilizada
e na evolução dos trabalhos conduzidos pela Funai, pode se enquadrar em
três categorias (ou etapas): i) os “grupos indígenas isolados”, quando houve
trabalhos sistemáticos de localização geográfica, permitindo comprovar sua
existência e a obtenção de maiores informações sobre seu território e suas
características socioculturais; ii) as “referências de índios isolados”, quando
há fortes evidências da sua existência (inseridos e qualificados no banco de
dados), porém sem um trabalho sistematizado que possa comprová-la; iii) as
“informações de índios isolados”, que são as informações sobre a existência de
índios isolados devidamente registradas na Funai, ou seja, que passa por um
processo de triagem, porém sem ter ainda recebido um estudo de qualificação.
Esses grupos variam de centenas de pessoas a alguns sobreviventes.
No passado, esses povos “isolados” muitas vezes mantinham relações
com segmentos da sociedade nacional – muitas vezes marcados pela
violência, contágio de doenças e extermínio – e, posteriormente, os
demais membros desses grupos recusavam a situação colonial
e fugiam para áreas de refúgio, em locais remotos e de difícil
acesso. Essa decisão de permanecer no isolamento também
está relacionada à vivência de condições que lhes permitem
suprir autonomamente suas necessidades sociais, materiais
ou simbólicas, evitando relações sociais que possam
desencadear tensões ou conflitos interétnicos.
37
Os registros da presença de
Povos Indígenas isolados
estão distribuídos em um
conjunto de 86 territórios:
54 Terras Indígenas e 24
Unidades de Conservação
(15 federais e nove estaduais).
A Funai já demarcou cinco Terras Indígenas, estabeleceu restrições
de uso em 6 áreas e está realizando o processo de identificação de
uma Terra Indígena devido à presença confirmada de Povos Indígenas
isolados. Há ainda oito áreas sem mecanismo de proteção.
A política brasileira em relação aos Povos Indígenas isolados parte da premissa
de não atingir povos isolados e atuar apenas em casos específicos, quando o
grupo isolado estiver em situação de risco, sofrendo alguma ameaça concreta.
Essa política de não contato com Povos Indígenas isolados foi adotada desde
1987, quando a Funai criou a Coordenação de Índios Isolados (hoje renomeada
como Coordenação Geral de Índios Isolados e Contato Recente – CGIIRC) com
o dever de garantir os direitos dos Povos Indígenas isolados e também os de
contato recente. A Funai é responsável por garantir aos povos isolados o pleno
exercício de sua liberdade e de seus modos de vida tradicionais, sem precisar
entrar em contato com eles. Atualmente, a política da Funai voltada para povos
isolados e de contato recente é considerada de vanguarda no cenário mundial.
Quando se verifica a presença de Povos Indígenas isolados fora dos limites
de Terras Indígenas já demarcadas, a Funai faz uso do dispositivo legal da
«Restrição de Uso» da terra para interditar a área de ocupação de grupos
isolados, restringir a entrada de terceiros e garantir a integridade física dos
Povos Indígenas enquanto outras ações de proteção são realizadas e tramitam
procedimentos administrativos para a demarcação de Terra Indígena. A
“Restrição de Uso” encontra respaldo no artigo 7º do Decreto 1775/96, no artigo
231 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 1º, inciso VII da Lei nº 5371/67.
38
Direitos Territoriais
No Brasil, o reconhecimento dos direitos originários dos Povos Indígenas
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente de
sua demarcação, está garantido no artigo 231 da Constituição Federal.
Aproximadamente 13,8% das terras do país (1.173.776 km2) são
reservadas aos Povos Indígenas. Segundo dados do Censo Demográfico
de 2022, obtidos a partir de informações da Funai, considerando as
Terras Indígenas Oficialmente Delimitadas (ou seja, aquelas que, em
31 de julho de 2022, estavam na situação fundiária de declarada,
homologada, regularizada e encaminhada como reserva indígena), foram
contabilizadas 626 Terras Indígenas no país. Dessas, sete estavam
em estudo, 45 foram delimitadas, 72 declaradas, 8 homologadas, 475
regularizadas – soma-se a esse total 47 Reservas Indígenas.
626 Terras
indígenas
7 em estudo
45 delimitadas
72 declaradas
8 homologadas
475 regularizadas
39
CARTOGRAMA 1: TERRAS INDÍGENAS, POR SITUAÇÃO FUNDIÁRIA –
BRASIL – 2022
Fonte: Censo Demográfico 2022. Indígenas: Primeiros resultados do universo – a partir
de dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas , 2022.
Em novembro de 2024, tendo como base os dados disponibilizados
pela Funai por meio do Sistema Indigenista de Informações (SII)21,
tem-se o seguinte quadro para todo o território nacional:
21 http://sii.funai.gov.br/funai_sii/informacoes_indigenas/visao/visao_terras_indigenas_
situacao.wsp?tmp.uf_codigo= (acessado em 27/11/2024).
40
TABELA 3: QUADRO RESUMO DOS DADOS DO PROCESSO
DEMARCATÓRIO DE TERRAS INDÍGENAS DO BRASIL
Fase do procedimento Quantidade de Superfície (ha)
demarcatório Terra(s) Indígena(s)
Em Estudo 132 899.970,4154
Delimitada 32 507.878,5440
Demarcada 58 6.662.678,9743
Homologada 10 463.372,2427
Regularizada 452 105.808.903,5847
Reserva Indígena 48 65.929,6257
Total 732 114.408.733,3868
Fonte: Sistema Indigenista de Informações (Funai)
À parte a diferença temporal entre as duas referências, outro fator que
interfere nos números apresentados é que o critério adotado pelo IBGE
no Censo de 2022 consideram apenas as Terras Indígenas oficialmente
delimitadas. Por outro lado, deve-se destacar que esses números estão
em constante variação, uma vez que os processos administrativos de
demarcação avançam e, consequentemente, os respectivos status
de reconhecimento jurídico. Nesse sentido, por vezes, é possível
encontrar divergências entre distintas fontes, mesmo que oficiais.
A Região Norte conta com 364 Terras Indígenas22 (mais da
metade das Terras Indígenas do país), sendo que deste
total cerca da metade é homologada/regularizada.
22 https://terrasindigenas.org.br/ (acessado em 06/09/2024).
41
TABELA 4: TERRAS INDÍGENAS E ÁREA POR ESTADO NA REGIÃO
NORTE DO BRASIL
Estados Terras Indígenas Área (ha)
Acre 36 3.169.618
Amapá 6 4.196.541
Amazonas 175 58.174.477
Pará 68 35.315.216
Rondônia 31 6.261.315
Roraima 35 19.618.634
Tocantins 13 2.580.694
Região Norte 364 129.316.495
Na Amazônia brasileira, a maior parte das terras está sob domínio federal:
43% são áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas)
e 21% são terras supostamente públicas fora de áreas protegidas que
podem ser ocupadas. As posses de terra cobrem 9% do território e 27%
são propriedades supostamente privadas, a maioria sem validação em
registros oficiais de propriedade rural. A Amazônia Legal detém 98%
da extensão (em área) das Terras Indígenas regularizadas no Brasil.
As Terras Indígenas da Amazônia Legal cobrem 1.151.065,6 km2 (23%
do território regional). As Terras Indígenas, somadas a outras áreas
protegidas, ocupam quase metade da Amazônia Legal. De 2000 a 2018,
apenas 13% do desmatamento ocorreu dentro desses territórios.
42
TABELA 5: TERRAS INDÍGENAS NOS ESTADOS DA AMAZÔNIA LEGAL23
Área dos Terras Indígenas % do
Estados
Estados (km2) (km2) Estado
Acre 164.173,429 24.410,2 14,9%
Amapá 142.470,762 11.848,8 8,3%
Amazonas 1.559.255,881 455.733,4 29,2%
Maranhão 329.651,496 22.797,9 8,7%
Mato Grosso 903.208,361 149.375,9 16,5%
Pará 1.245.870,704 307.681,4 24,7%
Rondônia 237.754,172 50.044,7 21,0%
Roraima 223.644,530 103.296,4 46,2%
Tocantins 277.423,627 25.876,9 9,5%
A Constituição Federal Brasileira (artigo 231; § 4º) define as terras
ocupadas por indígenas como “inalienáveis e indisponíveis, e os direitos
sobre elas, imprescritíveis. O Brasil também ratificou a Convenção 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e
Tribais, em 2002. A Convenção reconhece plenamente o direito à consulta
e ao consentimento livre, prévio e informado dos Povos Indígenas. No
entanto, esses direitos têm sido continuamente ameaçados, já que houve até
mesmo tentativas de mudar a Constituição nesse sentido, como a Proposta
23 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente
e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/
uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf, acessado em
06/09/2024).
43
de Emenda Constitucional nº 215 (PEC 215/2000), que tinha a proposta
de incluir dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a
aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos
indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo
que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados
por lei. A PEC está atualmente arquivada, mas exemplifica um dentre
outros riscos de não reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas.
A demarcação de Terras Indígenas na Amazônia (como em outros lugares do
Brasil) deve ser continuada para respeitar plenamente o direito dos Povos
Indígenas à terra garantido pela Constituição e assegurar a proteção da
extensão real da área de terra para manter os invasores afastados. A principal
razão para ampliar a demarcação de terras é o cumprimento de um direito
constitucional fundamental dos Povos Indígenas. Ao contrário de outras
áreas protegidas, cujo objetivo principal é a conservação da biodiversidade,
as Terras Indígenas visam salvaguardar os direitos dos Povos Indígenas
a suas terras e meios de subsistência por razões sociais, culturais e de
equidade. Os Povos Indígenas utilizam os recursos do território de forma
diversificada, evitando a dependência externa para sua subsistência por
meio de uma combinação de modos de vida tradicionais com perspectivas
de uso sustentável. Além disso, a conservação da floresta amazônica
em função da presença de Terras Indígenas parece ser mais efetiva e
menos dispendiosa do que as alternativas convencionais patrocinadas por
diferentes governos nacionais.24 Como mencionado anteriormente, as Terras
Indígenas também fornecem vários co-benefícios ecológicos e climáticos.
Em suma, a continuidade da demarcação de Terras Indígenas é vital para
proteger direitos e gerar benefícios socioeconômicos e ambientais.
24 Walker, W. S., Gorelik, S., Baccini, A., Aragon-Osejo, J., Josse, C., Meyer, C., Macedo,
M (2020), “The Role of Forest Conversion, Degradation, and Disturbance in the Carbon
Dynamics of Amazon Indigenous Territories and Protected Areas.” Proceedings of
the National Academy of Sciences of the United States of America 117 (6): 3015–25
(https://doi.org/10.1073/pnas.1913321117).
44
Tese do Marco
Temporal
No presente momento há uma controvérsia no âmbito institucional
brasileiro envolvendo uma agenda chave para os Povos Indígenas
e os seus direitos territoriais: a tese do marco temporal. Trata-se de
uma tese jurídica segundo a qual os Povos Indígenas têm direito
de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5
de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.
O tema, com base em recurso referente ao caso de um território ocupado
pelos indígenas Xokleng, no estado de Santa Catarina, tramitava no Supremo
Tribunal Federal (STF) desde 2019. Em julgamento ocorrido em setembro de
2023, a Corte Suprema rejeitou, por nove votos a dois, a constitucionalidade
de tal tese. Desse modo, ficou definido que a situação da área na data
de promulgação da Constituição não pode ser usada para definir se uma
área tem ou não ocupação tradicional de comunidades indígenas.
O Senado Nacional, por sua vez, colocou em votação, dias depois,
um projeto de lei (PL 2.903/2023) que fixa o marco temporal em 05 de
outubro de 1988. Ainda em outubro de 2023 o projeto foi sancionado pela
Presidência da República, dando origem à Lei 14.701 de 2023. Houve,
contudo, vetos a pontos relevantes do PL, mas que, por sua vez, foram
derrubados em nova votação no Congresso em dezembro do mesmo
ano. Com a rejeição do veto, os indígenas terão direito à demarcação
apenas das áreas que ocupavam até 5 de outubro de 1988, quando a
Constituição foi promulgada. A discussão, no entanto, seguirá, uma vez que
a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 será, mais uma vez, pauta no STF.
45
Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial
O rico marco legal relacionado às Terras Indígenas e à adaptação às
mudanças climáticas vigente no Brasil não está, contudo, totalmente
implementado, e um exemplo é a Política Nacional de Gestão Territorial e
Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A PNGATI, editada pelo Decreto
nº 7.747, de 5 de junho de 2012, representou um notável avanço do Brasil
na proteção dos direitos dos Povos Indígenas à terra. Esta Política tem por
objetivo garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o
uso sustentável dos recursos naturais encontrados nas Terras Indígenas,
assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria de sua qualidade
de vida e as plenas condições de reprodução física e cultural dos Povos
Indígenas atuais e futuras gerações, respeitando sua autonomia sociocultural.
No entanto, a implementação da PNGATI – que poderia ser uma
ferramenta e um meio significativo para subsidiar a contínua demarcação
de Terras Indígenas – foi afetada por vários fatores. Entre eles, estão
as descontinuidades e alterações de prioridades por parte do governo
da vez, implicando, por exemplo, sobretudo no passado recente, em
cortes significativos no orçamento de pastas que possuem relação direta
com sua execução – como, por exemplo, a Funai (Fundação Nacional
46
do Índio), órgão responsável pela proteção dos direitos dos Povos
Indígenas, ou ainda de órgãos ambientais, como o Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o
ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). 25
A implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs),
principal instrumento de implementação do PNGATI, também não avançou
como esperado. Os PGTAs baseiam-se no reconhecimento da autonomia
e autodeterminação de cada grupo indígena. Os Planos visam implementar
estratégias para o uso sustentável dos territórios e melhorar o bem-estar
indígena para proporcionar condições físicas e culturais para atender as
gerações presentes e futuras. Os PGTAs são o instrumento mais crucial do
PNGATI, pois estabelece requisitos para que os Povos Indígenas promovam
e executem – de forma autônoma – seus planos de uso territorial para
proteger seu modo de vida e afastar a ocupação ilegal e o desmatamento
de suas terras. Idealmente, um PGTA que tenha sido elaborado de maneira
adequada e bem sucedida, informa sobre a cultura e os modos de vida
daquele grupo, assim como apresenta o mapeamento das ameaças à
terra e os potenciais de desenvolvimento que eles almejam para si.
Os dados atuais demonstram que a implementação dos PGTAs foi interrompida
ou vem ocorrendo de maneira muito lenta. Menos de 20% (ou 129) das Terras
Indígenas no Brasil desenvolveram em algum nível seus PGTAs entre 2013 e
2018. Dos PGTAs desenvolvidos ou em desenvolvimento, quase 70% foram
apresentados por Povos Indígenas do bioma amazônico, comumente com
apoio de organizações da sociedade civil.26
25 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021.
“REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of
European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13.
https://doi.org/10.1111/reel.12389.
26 Sociedade Alemã de Cooperação Internacional – GIZ. Planos de Gestão Territorial
e Ambiental em Terras Indígenas do Brasil: Estratégias para Apoiar o Bem Viver,
Culturas, Florestas e Paisagens sustentáveis.
47
Foto: Agência Brasil
48
Capítulo 2
Desafios
Violência Ligada às Questões
Territoriais e Fundiárias
Embora seja claro o efeito positivo da demarcação
de Terras Indígenas para a interrupção ou diminuição
da velocidade de avanço do desmatamento na
Amazônia brasileira, nos últimos anos a taxa de
desmatamento nestes territórios experimentou uma
variação considerável. Segundo dados do Sistema de
Alerta de Desmatamento (SAD),27 houve um pico de
área desmatada no interior de territórios indígenas
na Amazônia Legal em 2020 (269 km2), com uma
manutenção desse quadro em 2021 (249 km2), com
a redução desses números nos anos seguintes,
alcançando a área de 73 km2 entre agosto de 2023 e
março de 2024 – números ainda muito superiores aos
27 Ferramenta de monitoramento da Amazônia Legal baseada
em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em
2008, para reportar mensalmente o ritmo da degradação
florestal e do desmatamento na região.
49
observados em anos anteriores, como 2016 (19 km2) e 2017 (18 km2).
Ainda segundo os dados do SAD, desde 2010 1.186 km2 de florestas
em Terras Indígenas na Amazônia Legal foram desmatados ilegalmente
por madeireiros e garimpeiros ilegais, bem como por grileiros. Contudo,
apesar de uma escalada dos números entre os anos de 2018 a
2021, o que se observa atualmente é uma tendência de queda.
A apropriação de terras no Brasil tem sido historicamente relacionada à
intensa exploração dos recursos naturais, incluindo a usurpação de Terras
Indígenas. A grilagem de terras pode ser definida como o apossamento de
terras mediante falsos títulos de propriedade. Esse é um crime antigo e que
ameaça a sociobiodiversidade dos biomas brasileiros, incluindo a Amazônia.
Na região, metade do desmatamento entre 2019 e 2021 ocorreu em terras
públicas por meio da grilagem – comprovando que esta é uma estratégia
adotada não apenas para acessar recursos de maneira ilegal e criminosa, mas
também para sinalizar ocupação de terras e reivindicar direitos à terra.28 29
Em 2019 e 2020, na Amazônia brasileira, 50% do desmatamento ocorreu
em florestas públicas dentro de Terras Indígenas, áreas protegidas e
florestas públicas não designadas por causa da grilagem de terras.
Nos anos de 2019 e 2020, a grilagem de terras representou o principal
motor do desmatamento nas Terras Indígenas da Amazônia. O número
(e área) de propriedades privadas registradas ilegalmente no Cadastro
Ambiental Rural (CARs) que se sobrepõem às Terras Indígenas dá
evidência e dimensões da grilagem de terras na Amazônia.
O CAR é um cadastro eletrônico de informações georreferenciadas sobre um
imóvel rural. Qualquer pessoa pode alegar ser o legítimo proprietário de uma
área e registrá-la geograficamente na base de dados do CAR (SICAR). Um
28 Alencar, Ane, Paulo Moutinho, Vera Arruda, and Divino Silvério. 2020. “The Amazon in
Flames, Fire and Deforestation in 2019 - and What’s to Come in 2020,” no.3. April.
29 Azevedo-Ramos, C., Paulo Moutinho, Vera Laísa da S. Arruda, Marcelo C.C. Stabile,
Ane Alencar, Isabel Castro, and João Paulo Ribeiro. 2020. “Lawless Land in No Man’s
Land: The Undesignated Public Forests in the Brazilian Amazon.” Land Use Policy 99
(December): 104863. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104863.
50
processo de validação verificará a legalidade do CAR
declarado. No entanto, a validação é lenta, permitindo
que grileiros ocupem terras públicas, incluindo as
Terras Indígenas. Entre 2016 e 2020, o número de
registros do CAR em Terras Indígenas, autodeclarado
ilegalmente por “pretensos proprietários”, aumentou 36%.
A ocorrência de desmatamento de CARs sobrepostas
às Terras Indígenas chega a 3,25% (3,5M ha) da área
total de Terras Indígenas no bioma. O crescimento
do desmatamento entre 2016 e 2020 em áreas com
sobreposição de CARs dentro das Terras Indígenas
foi 2,3 vezes maior do que o restante da área das
Terras Indígenas – uma evidência de que grileiros
A ocorrência de
estão usando CARs para ocupar Terras Indígenas
impulsionados pela especulação ilegal de terras.
desmatamento
de CARs
Segundo dados do relatório Violência Contra os Povos sobrepostas às
Indígenas no Brasil – Dados de 2022, produzido Terras Indígenas
anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), chega a 3,25%
entre os anos de 2019 e 2022 foram registrados, em (3,5M ha) da área
todo o Brasil, 407 casos de conflitos relativos a direitos
total de Terras
territoriais e 1.133 casos de invasões possessórias,
Indígenas
exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao
patrimônio.30 Conforme o critério adotado pela instituição
no bioma.
tais ocorrências são classificadas como “violência
contra o patrimônio”. Com relação aos principais tipos
de danos ao patrimônio indígena registrados no ano de
2022, destacam-se os casos de extração de recursos
naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e
invasões possessórias ligadas à grilagem de terras.
30 RELATÓRIO – Violência Contra os Povos Indígenas no
Brasil – Dados de 2022 (https://cimi.org.br/wp-content/
uploads/2023/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2022-
cimi.pdf, acessado em 02/09/2024).
51
Apesar da disseminação geral das ideias de multiculturalismo e da ampla aceitação
dos direitos indígenas, os Povos Indígenas ainda são alvo de uma discriminação
avassaladora. E a discriminação é usualmente articulada e se sobrepõe a camadas
multidimensionais de violência simbólica e física. Durante a última década, a violência
contra os Povos Indígenas aumentou drasticamente. A violência é um patrimônio
histórico na interação entre o Estado – e sua sociedade – e os Povos Indígenas e tem
dimensões materiais e simbólicas, resultantes do comprometimento estrutural das
condições de sobrevivência dos povos e indivíduos indígenas por meio de diversas
ameaças – entre elas: a deterioração da qualidade de vida decorrente da ausência
de demarcação das Terras Indígenas, degradação ambiental, insegurança diante de
invasões relacionadas às atividades extrativistas, expansão da agropecuária e construção
de rodovias, ferrovias, barragens e hidrelétricas dentro ou próximo a seus territórios.
Muitas vezes causam deslocamentos forçados – levando indígenas para áreas periféricas
das cidades, gerando o rompimento de seus laços sociais, problemas de saúde mental
(ansiedade, angústia e depressão), violência doméstica e suicídios. Além disso, as
invasões de forasteiros às Terras Indígenas são frequentemente acompanhadas por um
clima regional de violência e ilegalidade contra os Povos Indígenas. Os assassinatos
de líderes indígenas e membros de comunidades é o mais grave desses crimes;
sendo que muito poucos desses casos resultam em condenações e prisões.
Ainda em estreita relação com os números apresentados acima, o estudo Na Linha de
Frente: violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil mapeou,
em todo o Brasil, 1.171 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos
humanos entre os anos de 2019 e 2022. Essas violações são divididas entre agressão
física, ameaça, assassinato, atentado, criminalização (via institucional), deslegitimação
(calúnia etc), importunação sexual e suicídio. A região Norte reúne o maior número de
assassinatos, o que pode ser explicado pelo alto índice de conflitos fundiários na região
(grilagem de terras públicas, invasões em terras indígenas, desmatamento, mineração
ilegal). Por sua vez, quase metade (47%) dos casos violência contra defensoras e
defensores de direitos humanos foram registrados na Amazônia Legal – sendo que
919 (78,5%) desses defensores vítimas de violência tinham suas lutas associadas
ao tema de Terra, território e meio ambiente; e 346 (29,5%) eram indígenas.31
31 SILVA, Alane Luiza da (Coord.). Na linha de frente: violência contra defensoras e
defensores de direitos humanos no Brasil: 2019-2022. 1. ed. Curitiba, PR: Terra de
Direitos: Justiça Global, 2023.
52
Foto: Agência Brasil
Reina um sentimento geral de impunidade que facilita a continuação destes
atos de violência e alarga as lacunas de segurança existentes. Nota-se,
contudo, uma flutuação dos dados referentes às taxas de homicídios entre
indígenas, quando comparados às taxas de homicídio da população em
geral. Entre 2012 e 2022, os dados do Ministério da Saúde mostram uma
significativa diminuição da violência letal contra indígenas no Brasil, com a
taxa de homicídios caindo de 46,4 para 24,6 por 100 mil habitantes. Em 2022,
a taxa de homicídios entre indígenas foi quase igual à nacional, a menor da
série histórica (21,5 por 100 mil indígenas contra 21,7 por 100 mil habitantes
na população geral). No entanto, 2013 e 2020 foram anos de aumento
significativo da violência letal contra indígenas. A tendência de queda começou
em 2014 (61,5 mortes por 100 mil habitantes), com exceções em alguns
anos. Em 2020, a taxa de homicídios entre indígenas triplicou em relação
ao aumento geral, registrando 30,1 por 100 mil indígenas, e destacando sua
vulnerabilidade. No geral, a violência foi mais intensa entre indígenas do
que na população geral, especialmente entre 2012 e 2021, quando a taxa de
homicídios de indígenas chegou a ser o dobro da taxa geral em 2013 e 2014.
Indígenas Fora de Terras Indígenas
A Amazônia é a região com maior presença de grupos indígenas vivendo
em cidades, reservas ou áreas rurais. Quase metade dos 1.693.535 mil
53
indígenas brasileiros está nos nove estados da Amazônia Legal. Por outro
lado, representam apenas 1,5% do total da população amazônica. O estado
do Amazonas tem o maior contingente de povos e Terras Indígenas – além
de florestas preservadas. A extensão territorial é certamente um fator, mas
que também está relacionado com trajetórias econômicas e históricas de
expansão fronteiriça. É nessa região também que se concentra a maior
população indígena vivendo em zonas urbanas e em grandes cidades.
A intensificação dos processos de urbanização tem produzido uma interação
trágica dos Povos Indígenas com a vida urbana. Visões predominantes
e recorrentes de tais interações como aculturação, pobreza e exclusão
não são desprovidas de razão. No entanto, apesar de todos os problemas
relativos a essas relações, há experiências sinérgicas para ambos os
“lados” da equação. O caso de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é
de particular relevância. Mais de oitenta por cento da população urbana se
reconhece como indígena. Mesmo com várias rodadas de urbanização com
protagonistas exógenos incorporando terras e buscando melhores vantagens
locacionais, grupos indígenas como os povos Baré e Tucano conseguiram
incluir essas áreas urbanas em seus próprios processos de circulação a
partir de práticas tradicionais – daí o caráter “multilocacional” desses grupos.
Vários lugares fazem parte do cotidiano, no lazer, em todo tipo de eventos
culturais, mas também na produção de alimentos e outros usos dos recursos
regionais. Uma grande contribuição do caso de São Gabriel da Cachoeira
refere-se às maneiras pelas quais esses povos são capazes de desfrutar
dos benefícios dos ciclos reprodutivos naturais de maneiras que
o ator exógeno médio não pode fazer. Por exemplo,
ciclos sazonais são vividos e incorporados
à vida cotidiana (na qual a vida
econômica está inserida) por meio
de atividades como pesca, lazer,
agricultura, etc. Essas experiências
e conhecimentos garantem sua
vantagem econômica. Esse tipo
de integração entre natureza e
54
vida urbana – apesar dos processos de expansão de fronteiras e projetos de
desenvolvimento – impulsionou a urbanização sem deslocar os povos Baré e
Tucano, profundamente ligados à vida urbana de forma ainda mais “enraizada”.
Em São Gabriel da Cachoeira, as condições de acesso à terra, renda,
oportunidades econômicas e outras condições materiais da vida cotidiana
foram “penetradas” pela dinâmica do mercado, mas mantiveram sua
multiplicidade à medida que os grupos indígenas se reafirmavam para garantir
que os termos da interação também fossem benéficos para eles. Mesmo
as condições de moradia e os tipos de inserção no comércio local foram
cuidadosamente examinados e implementados por esses grupos, gerando
inovações institucionais. Por exemplo, há um assentamento específico na
cidade que é propriedade da prefeitura concedida a famílias indígenas que
podem precisar passar algum tempo na cidade por qualquer motivo (escola,
comércio, desentendimentos pessoais na aldeia, etc.). Além disso, há formas
de acesso à terra por meio de relações de parentesco, por meio de troca de
serviços e doações – concessão temporária ou definitiva de terras para usos
variados com uma série de regras e regulamentação comum desses usos.
Note-se que os dispositivos “usuais” de mercado e as relações urbano-
industriais estão presentes por meio da especialização produtiva, da
propriedade privada, das exportações, do comércio, dos lucros e de outras
características tradicionais presentes nas economias capitalistas e nas regiões
urbanizadas, e os usos coletivos não estão de forma alguma isolados das
regras e regulamentos. O que eles proporcionam são condições híbridas
para a criação material e institucional. Além disso, o que salvaguarda a
formação de alianças e setores que multiplicam os detalhes e nuances das
relações sociais são as estratégias de “famílias mistas”, onde indígenas e
não indígenas se casam e formam família. Nesse contexto, a indigeneidade
não é condição de exclusão urbana. Aqui, a dimensão econômica é clara:
o urbano torna-se um centro de difusão econômica. Saberes, práticas e
recursos regionais transbordam para outros territórios fora da Amazônia e
até mesmo para fora do Brasil. Por exemplo, novas estratégias de produção
por meio de sistemas agroflorestais aumentam a resiliência urbana e
55
ampliam a diversificação econômica. Mais importante, esse processo
expande a riqueza percebida da sociedade indígena (urbana) em geral
por meio de novos bens, serviços e divisões de trabalho. A relacionalidade
da pobreza aqui é bastante direta, pois a maioria não perceberá a
sociedade indígena de São Gabriel da Cachoeira como “rica”.32 33 34
Como já mencionado, os Povos Indígenas estão super representados entre
a população extremamente pobre e a probabilidade de serem extremamente
pobres era mais de duas vezes maior entre eles do que entre a população
total do país em 2010. O seu acesso ao mercado de trabalho e financeiro, nos
casos em que seja do desejo deles, é muitas vezes barrado por preconceitos
no que diz respeito ao seu baixo nível de educação, condições econômicas
prévias, capacidade de gestão, falta de compreensão e conhecimento sobre
as novas tecnologias. A situação é pior entre as mulheres indígenas, que
muitas vezes são discriminadas como indígenas e mulheres, resultando
em pior acesso à educação e salários mais baixos do que os homens
indígenas (os homens indígenas ganham em média 39% menos do que os
homens não indígenas, enquanto as mulheres indígenas ganham quase
58% menos do que os homens não indígenas). Tais situações é ainda pior
entre o crescente número de famílias indígenas que vivem em ambientes
urbanos marginalizados e favelas mal atendidas, cujas necessidades e
prioridades são negligenciadas até mesmo pelas teorias e abordagens
baseadas em concepções de etnodesenvolvimento, que são mal interpretadas
em torno de estereótipos e pressupostos preconcebidos sobre o que é
ser indígena e visam seu retorno aos meios tradicionais de produção
dos quais, em muitos casos, eles se afastaram de forma intencional.
32 ELOY, Ludivine; LASMAR, Cristiane. Urbanização e transformação dos sistemas
indígenas de manejo de recursos naturais: o caso do alto rio Negro (Brasil). Acta
Amazonica, v. 41, n. 1, p. 091-102, 2011.
33 ELOY, Ludivine. Resiliência dos sistemas indígenas de agricultura itinerante em contexto
de urbanização no noroeste da Amazônia brasileira, Confins [En ligne], 2 | 2008.
34 EMPERAIRE, Laure; ELOY, Ludivine. A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio
Negro (Amazonas, Brasil)?. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2008,
vol.3, n.2.
56
Educação e Saúde
Indígenas
Os sistemas de saúde e educação escolar dos Povos Indígenas foram
concebidos e estabelecidos com base em amplas consultas aos Povos
Indígenas. No entanto, assim como no caso de outras políticas, a sua
implementação ainda sofre com interrupções e descontinuidades. Por
um lado, a provisão de serviços de saúde adequados a todas as Terras
Indígenas continua sendo um enorme desafio, dada sua dispersão pelo
país e seu relativo isolamento. A Secretaria de Saúde Indígena (SESAI),
que é o órgão federal responsável por prestar esse atendimento por meio
de seus inúmeros Distritos Sanitários Especiais Indígena (DSEI), sofre
com a falta crônica de pessoal e o subfinanciamento, o que há muito
dificulta a prestação dos serviços de saúde. Todas essas questões vieram
à tona nos esforços para combater a disseminação da Covid-19. Em
janeiro de 2023, o número de indígenas mortos por Covid-19 (segundo
fontes oficiais) era de 928 indivíduos e 74% da população indígena
acima de 3 anos de idade foi vacinada. Atualmente, a Secretaria é
coordenada por Ricardo Tapeba, primeiro indígena a ocupar este cargo.
Com relação à educação indígena, permanecem alguns desafios relevantes,
destacados pelo V Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena – realizado
virtualmente em 20 de outubro de 2020, entre eles: (a) cortes orçamentários
para políticas públicas de formação de professores e produção de materiais
didáticos diferenciados para as escolas indígenas; (b) descumprimento
integral das diretrizes curriculares, planos nacionais e metas da Educação
Escolar Indígena, já referendados pelo movimento indígena e legislação
vigente; (c) a negação de espaços de representação dos Povos Indígenas
no Conselho Nacional de Educação e em outros órgãos deliberativos;
e (d) a oferta continuada da Educação Escolar Indígena em situações
57
inadequadas, com infraestrutura precária e até inexistente (inúmeros casos
de escolas sem prédios, com salas de aula insuficientes, sem bibliotecas,
laboratórios e mobiliário adequado e sem acesso à internet, o que intensifica
a precarização da educação escolar indígena). De fato, de acordo com o
Censo Escolar da Educação Básica de 2019 do Instituto Educacional de
Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as escolas indígenas
enfrentam enormes desafios de infraestrutura: 906 escolas indígenas (27,1%
das escolas indígenas do país) não funcionavam em prédios escolares;
1.320 (39,5%) escolas não dispunham de água potável; 1.090 (32,6%)
escolas não possuíam energia elétrica; 1.695 (50,7%) escolas não possuíam
esgotamento sanitário; e 2.651 (79,3%) escolas não tinham acesso à internet.
58
Mudanças Climáticas e REDD+
No caso brasileiro, o efeito combinado do desmatamento e das mudanças
climáticas globais está transformando a Amazônia brasileira em uma área mais
seca e quente, impondo uma ameaça extra às Terras Indígenas e à floresta
de uma maneira geral, que pode experimentar um processo contínuo de
empobrecimento biológico e ecológico. Esse empobrecimento também poderia
iniciar um processo de substituição da floresta tropical por um ambiente
semelhante ao da savana. Considerando que as florestas amazônicas
sustentam uma biodiversidade extraordinária e um estoque de carbono
considerável, essencial para manter um sistema ecológico global saudável,
essa mudança pode ter um impacto maciço nas mudanças climáticas.
Essa combinação de desmatamento e mudanças climáticas globais cria
uma situação contraditória para os Povos Indígenas em relação aos seus
impactos. Ao mesmo tempo, os Povos Indígenas protegem a floresta do
desmatamento, evitando as mudanças climáticas locais e globais; e eles são
(ou serão em breve) os principais afetados por essas mudanças. Considerando
a projeção atual para os cenários climáticos para 2040-2069, cerca de 60%
de todas as Terras Indígenas da Amazônia brasileira poderiam ser afetadas
por altas temperaturas e baixa precipitação em comparação com o período
entre 1961-1990. As Terras Indígenas localizadas na região leste seriam
afetadas por menor precipitação e regimes secos mais frequentes e severos.
Dentre os efeitos práticos desses impactos estão mudanças na frutificação
de árvores e reprodução de peixes. Essas alterações afetam diretamente o
cotidiano dessas populações de maneira transversal, impondo alterações
na produção de alimentos e nas relações dos indígenas com os meios
naturais, das quais depende suas rotinas de caça, pesca e coleta de frutos,
refletindo, inclusive, em seus ritos culturais e práticas rituais. Portanto, dada
a intensidade e a interdependência entre os Povos Indígenas e os recursos
naturais, dos quais sua sobrevivência física e cultural dependem, esses grupos
estão entre as principais vítimas dos efeitos das mudanças climáticas.
Para reduzir os efeitos adversos das mudanças climáticas e do desmatamento
sobre as Terras Indígenas e manter o regime climático em equilíbrio, será
necessário continuar ampliando a titulação de novas Terras Indígenas
59
Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial
e Unidades de Conservação na Amazônia brasileira, enquanto as áreas
degradadas devem ser reflorestadas. Segundo dados apresentados na
Tabela 3 acima, atualmente 222 Terras Indígenas aguardam para serem
regularizadas, principalmente na região amazônica (ou seja, para que tenham
suas portarias declaratórias homologadas). Além disso, há espaço para a
criação de novas Unidades de Conservação na região. Cerca de 50 Mha (o
tamanho da Espanha) de “florestas públicas não designadas” ainda não foram
destinados à proteção ou uso sustentável pelos governos federal e estaduais,
conforme exigido por lei (Lei de Manejo Florestal Público nº 11.284, 2006).35
Um mecanismo específico surgiu em relação à compensação financeira aos Povos
Indígenas para evitar que o desmatamento atravessasse a paisagem: a Redução de
35 Azevedo-Ramos, C., Paulo Moutinho, Vera Laísa da S. Arruda, Marcelo C.C. Stabile,
Ane Alencar, Isabel Castro, and João Paulo Ribeiro. 2020. “Lawless Land in No Man’s
Land: The Undesignated Public Forests in the Brazilian Amazon.” Land Use Policy 99
(June): 104863. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104863.
60
Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Desde 2012, diversas
iniciativas de REDD+ envolvendo Povos Indígenas ocorreram na Amazônia. Os projetos
de REDD+ geralmente acessam o mercado voluntário de carbono – um mercado não
regulado, imposto por lei ou acordos da ONU – para gerar créditos de carbono (offsets)
negociados internacionalmente. O REDD+ também pode assumir a forma de um
mecanismo baseado em fundos. Essa modalidade de REDD+ tem levantado recursos
essenciais para países em desenvolvimento ou jurisdições subnacionais, notadamente
na América Latina.36 Iniciativas de REDD+ baseadas em fundos, como o Forest Carbon
Partnership Facility (FCPF) hospedado pelo Banco Mundial, o Programa UN-REDD ou
o Programa REDD para Early Movers da Alemanha estão desempenhando um papel
essencial como ajuda oficial ao desenvolvimento na preparação para os mecanismos
de REDD+ a serem regulamentados pela Convenção Quadro das Nações Unidas
sobre a Mudança do Clima, também conhecida como pela sigla em inglês UNFCCC.
Em 2012, a Funai contabilizou 30 projetos envolvendo diferentes etnias
contatados por empresas ou pessoas físicas interessadas em gerar créditos
de carbono florestal (a serem negociados no âmbito do mercado voluntário
de carbono). A maior parte dessas compensações financeiras às iniciativas
dos Povos Indígenas, contudo, não prosperou nos anos que se seguiram.
O único projeto de carbono florestal, autointitulado REDD+, a gerar e
comercializar créditos de carbono no mercado voluntário de carbono em Terras
Indígenas brasileiras foi o Projeto de Carbono Florestal Paiter Suruí (PCFS).
O PCFS pode ser considerado pioneiro, mas revelou várias dificuldades
não resolvidas envolvendo um projeto de REDD+ em Terras Indígenas.37
36 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021.
“REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of
European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13.
https://doi.org/10.1111/reel.12389.
37 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021.
“REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of
European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13.
https://doi.org/10.1111/reel.12389.
61
Mercado Voluntário
de Carbono (MVC);
Populações Indígenas
e o Banco Mundial
Uma questão recorrente nos últimos anos relacionados aos Mercados
Voluntários de Carbono (MVC) diz respeito à violação dos direitos das
comunidades locais, especialmente dos Povos Indígenas. O Brasil, por sua
vez, tem estado na vanguarda da capitalização da preservação florestal
por meio de mercados de carbono, tendo havido, desde os primeiros dias
após o Protocolo de Kyoto, três ondas de projetos sendo submetidos: (i)
a primeira onda (de 2010 a setembro de 2020), marcada pelos projetos
pioneiros; (ii) a segunda onda (outubro de 2020 – maio de 2023), com a
publicação do livro de regras de Glasgow; e (iii) a terceira onda (junho 2023
– abril 2024), quando o Congresso Nacional passou a dar mais atenção ao
tema com a discussão de um novo projeto de lei do mercado de carbono.
Apesar dos desafios colocados, grupos indígenas vêm manifestando a
intenção de liderar e possuir projetos de carbono em seus territórios, para
os quais eles têm buscado assistência de organizações da sociedade
civil, tanto como co-desenvolvedores dos projetos quanto em capacitação
nos aspectos técnicos e jurídicos desses projetos – trabalho que tem se
intensificado a partir da terceira onda de projetos, que trouxe também consigo
denúncias de comunidades indígenas sendo assediadas por empresas,
intervenções do Ministério Público e levas de consultas e reclamações
das comunidades e suas associações aos órgãos competentes.
62
O cenário atual ainda é de incertezas. Contudo, a fim de superar esses
desafios e potencializar o acesso justo e de maneira bem informada aos
benefícios desse mecanismo por parte das comunidades indígenas, o
Banco Mundial tem a possibilidade de oferecer seu conhecimento em
frentes como (i) o trabalho com as associações para realizar oficinas e
desenvolver materiais na multiplicidade de línguas nativas; (ii) o apoio
a sessões especiais de treinamento com participantes de orientação
técnica em conjunto com ONGs experientes para o desenvolvimento de
projetos; (iii) o suporte às equipes jurídicas das associações indígenas e à
padronização de documentos e procedimentos; (iv) o compartilhamento de
experiências com organizações de outros países da Bacia Amazônica; e (iv)
o desenvolvimento de uma atenção especial ao lado comercial do comércio
de carbono, de modo que o devido cuidado seja dado à conversão desses
créditos em receitas reais, etapa ainda pouco transparente dentro do MVC.
63
Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial.
As dificuldades para os projetos de Povos Indígenas em REDD+ estão, em
parte, relacionadas à abordagem baseada em projetos historicamente adotada
para
Foto: Brasil Por muitas razões, essa abordagem parece inadequada
o mecanismo.
Agência
para os Povos Indígenas devido aos riscos potenciais envolvidos. Por
exemplo, considerar o foco excessivo de projetos de REDD+ na proteção do
carbono florestal pode afetar os modos de vida das comunidades indígenas
ou violar seus direitos. Em muitos casos, os projetos de REDD+ na Amazônia
foram construídos sem a participação e o consentimento livre, prévio e
informado das comunidades indígenas e envolvendo contratos abusivos.
Além disso, ainda não existe uma definição clara dos princípios, critérios e
até mesmo estruturas operacionais para a implementação de projetos de
REDD+ em Terras Indígenas; além de não haver garantia de que os projetos
de REDD+ em Terras Indígenas respeitem as salvaguardas de REDD+.
Dentre alguns desafios que merecem atenção estão (i) os assuntos ligados ao
direito à terra, incluindo: aumento dos conflitos fundiários, não avanços dos
processos de demarcação e regularização fundiária em Terras Indígenas e
territórios de povos e comunidades tradicionais; falta de dados padronizados
e sistematizados sobre os diferentes tipos de processos de demarcação e
homologação de territórios tradicionais, falta de articulação da Ouvidoria sobre
a violação de salvaguardas em iniciativas de REDD+ com outros arranjos
de ouvidoria existentes, direcionados a públicos específicos; e (ii) aqueles
associados à consulta e participação culturalmente adequadas nos planos
de desenvolvimento, exemplificados por: difícil acesso de Povos Indígenas
64
e povos e comunidades tradicionais a pagamentos baseados em resultados
de REDD+; acesso indireto de Povos Indígenas, povos e comunidades
tradicionais e agricultores familiares abordados seja apoiando projetos
de maior escala que se concentram no apoio a essas comunidades, ou
apoiando organizações que fazem chamadas públicas com recursos do Fundo
Amazônia; e má implementação das instâncias de governança previstas.
Diante de tais desafios, em maio de 2023 a Funai emitiu uma Informação
Técnica (IT nº 27/2023/COPAM/CGGAM/DPDS-FUNAI) tratando dos subsídios
técnicos e proposta de articulações para definir e consolidar o posicionamento
institucional perante os projetos de comercialização de créditos de carbono,
no âmbito do mercado voluntário, no que se refere às terras e territórios
indígenas. O objetivo de tal instrumento é buscar soluções para: i) responder
às demandas de análise de propostas/projetos de comercialização de créditos
de carbono, no âmbito do mercado voluntário, em Terras Indígenas; ii) orientar
as organizações indígenas e empresas interessadas; iii) incidir sobre um
eventual processo de regulamentação de projetos de créditos de carbono,
no âmbito do mercado voluntário, no que se refere às terras e territórios
indígenas. Empreendendo um breve histórico sobre o tema, a IT registra que
entre 2008 e 2012 (primeira onda) foram contabilizadas 24 propostas/
projetos localizados em sua maioria na Amazônia Legal; e, na
segunda onda (entre 2022 e meados de 2023), as propostas
de projetos que chegaram ao conhecimento da Funai
envolveram o total de 34 Terras Indígenas
(dos quais registrou-se a existência de
9 contratos ou outros instrumentos
jurídicos similares firmados).
65
O Caso Paiter-Suruí
Um dos primeiros projetos em tramitação de REDD+ no Brasil foi o único
em que a comunidade indígena o liderou (junto com o apoio de uma ONG
local). A fim de ressaltar a sua especificidade, a Informação Técnica emitida
pela Funai em 2023 (IT nº 27/2023/COPAM/CGGAM/DPDS-FUNAI) trata o
caso como “a excepcionalidade do Projeto de Carbono Florestal Paiter Suruí
(PCFS) na Terra Indígena Sete de Setembro”. Dentre as características
que o qualificam com tal, foram listadas as seguintes particularidades: (i) a
proponente do projeto é uma associação indígena, a Associação Metareilá
do Povo Indígena Paiter Suruí; (ii) o PCFS faz parte de um processo mais
longo, de cerca de uma década, de realização de diagnósticos participativos,
elaboração de Etnomapeamento e PGTA na TI Sete de Setembro, envolvendo
uma série de apoiadores da sociedade civil organizada; (iii) o PCFS foi apoiado
e assessorado por uma série de entidades da sociedade civil; (iv) existe uma
separação entre o projeto do PCFS e os contratos de compra e venda de
reduções de emissões que foram realizados com empresas, ou seja, o projeto
tem a liberdade de comercializar a totalidade dos créditos gerados (100%) com
quaisquer empresas que queiram comprá-los; (v) foi realizado um processo
de consulta livre, prévia e informada, registrado por meio de um laudo
antropológico, além da constituição de uma estrutura de governança do projeto
baseada na organização social tradicional dos Paiter Suruí; (vi) a elaboração
do projeto e a firmação de contratos com as empresas foi acompanhado
pela Funai e Ministério Público Federal (MPF); (vii) o projeto e os termos dos
contratos firmados levaram em conta e atenderam as recomendações da Funai
sobre o tema; (viii) estrutura de governança e de repartição de benefícios clara;
(ix) alinhamento do projeto com a PNGATI; e (x) os créditos comercializados
pelo PCFS remetiam-se a reduções calculadas em tempo pretérito, portanto
sem comprometer o usufruto exclusivo dos recursos naturais (: 4-5).
66
Em relatório publicado em março de 2019 pela Forest Trends é destacado
que o PCFS reduziu drasticamente o desmatamento dentro da TI Sete de
Setembro durante os primeiros cinco anos de sua operação e financiou seis
iniciativas de desenvolvimento comunitário autossuficiente que continuam
gerando renda até hoje. No final, porém, o projeto foi suspenso em 2018
(embora tenha exigido e recebido apoio quase unânime do povo Paiter
Suruí) após a descoberta de grandes jazidas de ouro no território, o que
provocou um aumento no desmatamento e disputas dentro da comunidade.
Entre sucessos e desafios, lições foram aprendidas, tais quais: (i) importância
do aninhamento dos projetos dentro de uma abordagem nacional ou
jurisdicional; (ii) a necessidade de linhas de base e metodologias adaptáveis;
(iii) a necessidade de procedimentos de resolução formalizados; (iv) a
necessidade de mais cooperação governamental; (v) a necessidade de
simplificar projetos; e (vi) a necessidade de fluxos financeiros diversificados.
67
Foto: Agência Brasil
68
Capítulo 3
Perspectivas
Fortalecimento Institucional, Inclusão,
Conservação da Biodiversidade
e Etnodesenvolvimento
Desde o começo de 2023 o Estado brasileiro, com a
mudança de gestão no âmbito federal, tem indicado
uma perspectiva de retomada da relevância da pauta
indígena e ambiental em termos nacionais, sobretudo
se comparado à administração anterior. Dentre as
ações institucionais relevantes, houve a criação do
Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a “retomada”
da Fundação Nacional do Índio (Funai), chefiadas
(pela primeira vez) por duas mulheres indígenas. O
MPI é responsável pela política indigenista em seu
sentido amplo e, especialmente: a) o reconhecimento;
garantia e promoção dos direitos dos Povos Indígenas;
b) o reconhecimento, a demarcação, a defesa,
o uso exclusivo e a gestão de terras e territórios
indígenas; c) o bem-estar dos Povos Indígenas; d) a
proteção dos Povos Indígenas isolados e de recente
contato; e e) a aplicação de acordos e tratados
internacionais (especialmente a Convenção 169 da
OIT), quando relacionados aos Povos Indígenas.
69
Além, disso, no âmbito internacional, nos últimos 30 anos, os direitos dos
Povos Indígenas têm sido cada vez mais reconhecidos por meio da adoção
de instrumentos internacionais como a Declaração das Nações Unidas sobre
os Direitos dos Povos Indígenas (da sigla em inglês UNDRIP) em 2007, a
Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2016, e o
Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em
Matéria Ambiental na América Latina e no Caribe (Acordo de Escazú) em 2021.
Ao mesmo tempo, mecanismos institucionais globais foram criados para promover
os direitos dos Povos Indígenas, como o Fórum Permanente das Nações
Unidas sobre Questões Indígenas (da sigla em inglês UNPFII), o Mecanismo
de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (da sigla inglês EMRIP)
e o Relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
No entanto, embora se reconheça o direito de proteção aos Povos Indígenas,
além do seu papel fundamental na proteção dos sistemas naturais, é
reconhecido também que há um conjunto de limites que ainda persistem para
a garantia dos direitos fundamentais (e constitucionais) desses povos, sendo
fundamental promover a sua inclusão em geral e a sua participação na agenda
de desenvolvimento regional. A inclusão social tomada como um processo
de melhoria dos termos para indivíduos e grupos participarem da sociedade,
levando-se em conta a perspectiva de melhorar a capacidade, a oportunidade
e a dignidade das pessoas desfavorecidas com base em sua identidade é,
permanentemente, um objetivo a ser alcançado. Por sua vez, a exclusão social
é um processo multidimensional em que práticas em um domínio levam ou
reforçam a exclusão em outro domínio. Políticas de enfrentamento da exclusão
social, portanto, requerem uma sequência dinâmica de intervenções. Muitas
vezes, a mesma política ou programa pode atravessar diferentes domínios —
mercado, serviços e espaços. No caso dos Povos Indígenas, como já vem sendo
pontuado, essa base cultural e identitária muitas vezes está em íntima relação
com a conservação da biodiversidade (especialmente quando consideramos
os grupos que seguem vivendo em Terras Indígenas na Amazônia – recorte
adotado nesta análise), sendo que estruturas de políticas públicas eficazes e um
ambiente estratégico são condições necessárias para garantir que as relações
entre economia, natureza e pessoas sejam elementos essenciais para a proteção
desses povos e para o desenvolvimento da região de maneira sustentável.
70
Fortalecimento
Institucional:
Ministério dos
Povos Indígenas
MEMORANDO DE ENTENDIMENTO (MEMORANDUM OF UNDERSTANDING - MOU)
Em 2024 o Banco Mundial (BIRD) e o MPI celebraram um Memorando de Entendimento
para descrever sua intenção mútua de colaborar e cooperar nos objetivos comuns
para o desenvolvimento de atividades voltadas para a melhoria de políticas e práticas
aplicáveis aos Povos Indígenas, incluindo: (i) compartilhamento de conhecimento
e treinamentos com foco na prevenção de conflitos em territórios indígenas; (ii)
compartilhamento de boas práticas sobre mediação pacífica de conflitos; (iii)
desenvolvimento de iniciativas focadas na promoção dos direitos indígenas, incluindo
no combate à violência de gênero; e (iv) desenvolvimento de iniciativas para promoção
da agenda de desenvolvimento étnico, incluindo meios de subsistência sustentáveis e
oportunidades econômicas inteligentes para a natureza. Dentre as principais atividades
e áreas de colaboração contempladas, os participantes planejam e antecipam a
realização das seguintes atividades: (i) planejar atividades conjuntas em áreas de
interesse comum; (ii) reunir esforços e conhecimentos técnicos; (iii) usar e alavancar
seus recursos e instalações existentes para vantagem e benefício mútuos; (iv) colaborar
na promoção, preparação e organização de workshops, conferências, seminários
de treinamento e/ou intercâmbios de conhecimento; (v) colaborar na organização
e execução de projetos e pesquisas; (vi) engajar-se conjuntamente em um diálogo
com stakeholders e outras partes interessadas nas atividades que estão sendo
realizadas no âmbito deste MOU; (vii) colaborar sobre formas de se associar a outras
entidades envolvidas em atividades semelhantes, suplementares ou relacionadas às
que estão sendo realizadas neste MOU; (viii) colaborar na disseminação das lições
aprendidas e resultados das atividades que estão sendo realizadas no âmbito deste
MOU por meio de publicações, internet, seminários, workshops, conferências e outros
71
meios facilmente acessíveis; e (ix) avaliar periodicamente a eficácia do trabalho
colaborativo entre si, tendo em vista seus respectivos mandatos e prioridades.
LAND RESTITUTION AND PEACEBUILDING IN
INDIGENOUS TERRITORIES (VER ANEXO 1)
Atualmente, está em implementação junto ao MPI o Projeto Land Restitution and
Peacebuilding in Indigenous Territories, que tem como objetivo apoiar os esforços
institucionais do Ministério dos Povos Indígenas para prevenir e reduzir os altos
níveis de conflitos relacionados à terra e a violência contra as comunidades
indígenas do Brasil. Dentre as atividades e produtos previstos, o Projeto incluirá
três componentes para fortalecer o MPI em sua capacidade de mediar conflitos,
proteger e promover a paz nesses territórios, sendo que seus componentes
devem: (i) apoiar o desenvolvimento de um mapeamento de conflitos em Terras
Indígenas em uma plataforma digital – observatório de conflitos e violência;
(ii) produção de notas técnicas que consolidam informações sobre a dinâmica
e os atores de conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, com
análises antropológicas e jurídicas e identificação de exemplos administrativos
com recomendações para resolvê-los; e (iii) realizar consultas significativas com
organizações que representam os Povos Indígenas e apoiar o treinamento, a geração
e a disseminação de conhecimento para os atores envolvidos na implementação de
medidas de mediação de conflitos. As atividades propostas também informariam e
forneceriam insumos para o envolvimento contínuo do Banco Mundial nos estados
e municípios por meio de operações voltadas para as comunidades indígenas. 38
38 Os recursos para o desenvolvimento das ações são provenientes do State and Peacebuilding
Fund (SPF), que tem como objetivo melhorar e expandir as fronteiras do envolvimento do
Banco Mundial para ajudar os países a lidar com os fatores e impactos da fragilidade, conflito
e violência (FCV) e fortalecer a resiliência dos países e das populações, comunidades e
instituições afetadas. O SPF é um componente importante da resposta do Banco Mundial à FCV
e apoia o progresso em direção à missão do Banco Mundial de erradicar a pobreza extrema e
impulsionar a prosperidade compartilhada de forma sustentável, e em direção aos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável.
72
Como já destacado, os Povos Indígenas historicamente protegem grande parte
do bioma amazônico brasileiro. As Terras Indígenas detêm cerca de 23% (97,2
milhões de ha) da área florestal e prestam um serviço global armazenando
14,2 bilhões de toneladas de carbono (GtC).39 Embora as Terras Indígenas
cubram uma enorme área do bioma amazônico brasileiro, elas contribuem
com menos emissões (<3%) do que todas as outras categorias de terras.40
A baixa taxa média de desmatamento nas Terras Indígenas é resultado do
uso peculiar dos recursos naturais pelos Povos Indígenas e de seus costumes
e tradições.41 Além disso, as próprias iniciativas dos Povos Indígenas para
proteger suas terras têm sido cruciais para reduzir a destruição da floresta.
Por exemplo, vários grupos estão monitorando as fronteiras de suas terras
para evitar o desmatamento ilegal e o fogo – essa prevenção tem sido feita
usando suas próprias ferramentas de monitoramento digital, como plataforma
web, aplicativos para smartphones e grandes bancos de dados e mapeamento.
Além disso, a autodefesa dos Povos Indígenas de seus direitos à terra está
permitindo que a justiça brasileira (por exemplo, Conselho Nacional de
Justiça, Supremo Tribunal Federal e Ministério Público Federal) solicite mais
proteção às suas terras, reforçando o papel de proteção da floresta. A figura
dos Agentes Ambientais e Territoriais Indígenas (AAIs) tem sido fundamental
nas ações de conservação, reflorestamento, desenvolvimento de ações de
sociobioeconomia e redução de invasões, inclusive com as experiências
de profissionalização da categoria no Acre e da criação participativa do PL
2936/2022, liderado pela ex-deputada federal e atual presidente da Funai
Joênia Wapichana (apensado ao PL 4347/2021, que institui a PNGATI, também
de sua autoria). Com uma atuação ao mesmo tempo ampla e transversal,
eles operam como multiplicadores de ações de gestão ambiental em seus
39 https://carboncal.org.br/
40 Soares-Filho, B., P. Moutinho, D. Nepstad, A. Anderson, H. Rodrigues, R. Garcia, L.
Dietzsch, et al. 2010. “Role of Brazilian Amazon Protected Areas in Climate Change
Mitigation.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of
America 107 (24). https://doi.org/10.1073/pnas.0913048107
41 FAO and FILAC. 2021. Forest governance by indigenous and tribal peoples. An
opportunity for climate action in Latin America and the Caribbean. Santiago. FAO.
https://doi.org/10.4060/cb2953en
73
territórios, articulando proteção, manejo e gestão das Terras Indígenas com
planejamento e ações de vigilância (em estreita relação com os PGTAs). Além
disso, também cabe ao AAI o estímulo à participação dos Povos Indígenas
no planejamento de ações e políticas públicas de proteção territorial e a
divulgação de informações sobre a situação ambiental das Terras Indígenas.
Por fim, as campanhas promovidas pelos representantes indígenas da
Amazônia em nível internacional estão mobilizando as comunidades globais,
governos e investidores em favor da proteção dos direitos indígenas,
trazendo mais segurança às suas terras contra o desmatamento ilegal.
A Amazônia tem uma riqueza de ecossistemas que são indispensáveis
para levar as contribuições da natureza a centenas de Povos
Indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais
(incluindo grupos ribeirinhos e dependentes da floresta, bem como
pequenos agricultores familiares). Esses grupos sociais se baseiam
em seus conhecimentos tradicionais de biodiversidade para o equilíbrio
alimentar, práticas de cura, crenças espirituais e rituais religiosos.
A literatura científica internacional sobre conservação da biodiversidade
tem destacado a relevância para a conservação da biodiversidade dos
conhecimentos tradicionais detidos pelos Povos Indígenas e comunidades
tradicionais da Amazônia sobre como utilizar a base dos recursos naturais.
Tem ressaltado também que os sistemas de gestão ambiental dos Povos
Indígenas e Comunidades Tradicionais são baseados em um extenso e
detalhado conhecimento ecológico acumulado ao longo de várias gerações
e que esses sistemas são altamente relevantes para a conservação da
agrobiodiversidade e para a segurança alimentar no atual contexto global
de mudanças climáticas, aumento populacional e erosão da diversidade
genética de cultivares de plantas. Centradas em um grande número de
variedades de plantas cultivadas, as práticas agrícolas dos Povos Indígenas
(e também das comunidades tradicionais) e as florestas humanizadas que
criaram desempenharam um papel central na formação de solos altamente
produtivos (terra preta) e na domesticação de plantas e culturas.
74
Consulta Livre, Prévia
e Informada (CLPI)
e Protocolos de
Consulta
Ao contrário do que prevê o PNGATI, o direito à consulta e ao
consentimento dos Povos Indígenas para sua participação informada não
foi respeitado ou implementado em grau significativo. Geralmente, essas
infrações ocorrem durante conflitos que afetam a sociobiodiversidade e
a vida e os territórios dos povos e comunidades que habitam as diversas
ecorregiões do Brasil: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga Nordeste,
Mata Atlântica e Pampa, no sul do país. É também uma tendência
quando se realizam megaempreendimentos ou projetos extrativistas.
Não há uma regulamentação nacional de consulta e consentimento livre,
prévio e informado no Brasil. Desde 2014, Povos Indígenas e povos
tradicionais e comunidades vêm desenvolvendo seus protocolos de consulta
na Amazônia e em outras regiões brasileiras. Várias decisões judiciais
determinaram que povos e comunidades sejam consultados de acordo com
seus protocolos. A primeira dessas decisões ocorreu em 2017, quando o
Departamento de Justiça obrigou o Estado brasileiro a usar o protocolo do
povo Juruna (Yudjá) para consultar sobre a exploração de ouro pela empresa
canadense Belo Sun. Os protocolos autônomos de consulta indígena articulam
como, onde e quando os Povos Indígenas desejam ser consultados e
estabelecem as regras e procedimentos para sua implementação, incluindo
questões relativas à representatividade e legitimidade das decisões.
75
Há uma visão crescente da bioeconomia como um motor de desenvolvimento
que aproveita a vocação econômica do Brasil (e particularmente da região
amazônica), constituindo-se em uma rota alternativa para o desenvolvimento
sustentável. A bioeconomia seria capaz de fomentar a industrialização das cadeias
produtivas da biodiversidade, combinando o conhecimento tradicional com a
inovação tecnológica (pesquisa e desenvolvimento), agregando valor à produção
de sistemas agroflorestais, promovendo a recuperação de áreas desmatadas
e a conservação florestal, levando à inclusão social das comunidades locais.
Ao mesmo tempo em que protege a floresta em pé, a produção agroflorestal de
alguns produtos florestais nativos não madeireiros (como açaí, castanha-do-pará,
pupunha, cupuaçu, camu-camu, cacau e borracha) apresenta-se como mais
rentável do que a pecuária e a monocultura da soja. Estima-se que a produção
de açaí tenha uma rentabilidade por área de produção dez vezes maior do
que a pecuária e cinco vezes maior do que a cultura da soja na Amazônia.
Assegurar os direitos dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais à
terra e à manutenção de práticas tradicionais de manejo – dentro ou fora
de áreas protegidas – está intimamente relacionado a uma estratégia de
conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos a um custo
relativamente baixo. Esse custo é muito menor do que os custos inerentes à
restauração de ecossistemas – que podem ser promovidos pelo pagamento
de serviços ecossistêmicos ou políticas de compensação da biodiversidade.
Embora o papel desempenhado pelas práticas indígenas amazônicas
atuais na conservação e no aumento da biodiversidade, tanto na natureza
quanto em seus campos cultivados, esteja se tornando mais plenamente
reconhecido, a proteção e a partilha dos benefícios derivados de suas
contribuições ainda carecem de atenção adequada nas políticas públicas.
O Brasil foi um dos países pioneiros na implementação de um marco
regulatório sobre acesso ao patrimônio genético, conhecimento tradicional
associado e repartição de benefícios (Medida Provisória 2186-16/2001). O
país assinou a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB – Protocolo
de Nagoya) em 2010. Em 2015, entrou em vigor a Lei da Biodiversidade
(Lei 13.123/2015, regulamentada pelo Decreto 8.772/2016) – totalmente
76
alinhada ao CDB, com o objetivo
de evitar a biopirataria e garantir
a repartição dos benefícios do
uso da biodiversidade e dos
conhecimentos tradicionais
de forma justa e equitativa.
A Lei da Biodiversidade abrange
questões relacionadas aos direitos
dos detentores de conhecimentos
tradicionais e obrigações dos usuários de
conhecimentos tradicionais contemplando temas
como: (a) acesso ao patrimônio genético do país e aos
conhecimentos tradicionais a ele associados, (b) obtenção de acesso
à transferência tecnológica e tecnológica visando à conservação e uso
da biodiversidade, (c) exploração econômica de bens relacionados ao
patrimônio genético e ao conhecimento tradicional; d) estabelecimento de um
regime equitativo de repartição dos benefícios através do pagamento pelo
utilizador de compensações monetárias e/ou não monetárias; e) exportação
de patrimônio genético; e (f) implementação dos tratados internacionais
ratificados pelo Congresso. No entanto, a Lei da Biodiversidade poupa
muitos usuários das obrigações relacionadas à repartição de benefícios.
De acordo com a Lei da Biodiversidade, o conhecimento tradicional refere-se
a todas as informações e práticas que a população indígena, as comunidades
tradicionais e os agricultores detêm sobre as características e usos diretos e
indiretos do patrimônio genético. A lei diferencia dois tipos de conhecimentos
tradicionais: aquele cujas origens podem ser atribuídas a grupos sociais
específicos e aquele cujas origens não podem ser atribuídas a grupos
específicos. O regime de repartição de benefícios prevê uma compensação
monetária e não monetária para o conhecimento tradicional transferível e apenas
uma compensação não monetária para o conhecimento não transferível. A lei
também estabelece a necessidade de consentimento livre, prévio e informado
dos detentores de conhecimentos tradicionais consignáveis ao seu uso.
77
A Lei da Biodiversidade criou o Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético (CGen) e o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB).
Desde novembro de 2017, para desenvolver atividades relacionadas
ao patrimônio genético e associados, os usuários tradicionais devem
se cadastrar no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e
do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). A implementação do
FNRB, no entanto, tem sido marcada por muitos desafios técnicos.
Apesar do seu caráter inovador e promissor, a Lei da Biodiversidade tem sido alvo
de críticas por parte da comunidade científica, estudiosos, ONGs e organizações
representativas dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais. Inicialmente,
os principais argumentos levantados contra os dispositivos da lei incluíam: (i) a
falta de participação de representantes detentores de conhecimentos tradicionais
(Povos Indígenas e comunidades tradicionais), uma vez que as negociações eram
realizadas apenas com usuários, empresas de biotecnologia e pesquisadores
que tinham seus interesses reclamados relacionados à burocratização dos
procedimentos de registro, isenções e remissão de dívidas contempladas; (ii) o
registro dos conhecimentos tradicionais associados em bases de dados sobre as
quais seus titulares não têm controle sobre acesso e uso; (iii) a isenção do acesso
ao conhecimento tradicional associado não cedível do consentimento prévio
e informado; (iv) a distinção entre “titulares” e “provedores” de conhecimento
tradicional, uma vez que a assinatura de Contratos de Repartição de Benefícios
só é concedida a estes últimos; (v) a exclusão de representantes de povos e
comunidades tradicionais das negociações de acordos setoriais (firmados entre
o governo e os usuários); (vi) a isenção de repartição de benefícios concedida às
microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais,
produtores tradicionais e suas cooperativas, bem como aos usuários que tiveram
acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado antes
da edição da Medida Provisória 2186-16/2001; e (vii) o fato de a lei não definir
o crime de biopirataria, nem exigir a oitiva dos “órgãos oficiais” responsáveis
pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais.
Face essas críticas, Povos Indígenas, comunidades tradicionais e
organizações da sociedade civil solidárias vêm demandando uma mudança
paradigmática que seria necessária para que a Lei da Biodiversidade passe a
78
funcionar de maneira mais adequada. Essa mudança paradigmática consistiria
principalmente no (i) empoderamento dos Povos Indígenas nos processos
decisórios e de gestão da FNRB pelo CGen; (ii) nos acordos diretos de uso
de seus conhecimentos tradicionais sobre biodiversidade; e (iii) na pesquisa
e desenvolvimento de novos produtos da biodiversidade. Essa mudança
paradigmática exigiria o estabelecimento de um encontro respeitoso entre
os saberes tradicionais e científicos, no qual jovens pesquisadores de Povos
Indígenas e Comunidades Tradicionais estejam plenamente envolvidos
e desempenhem um papel fundamental na ponte entre os dois modelos
cognitivos, bem como a valorização de algumas iniciativas de base comunitária.
Com relação às alternativas associadas à geração de renda pela prestação de
serviços ambientais, tal qual já indicado, as Terras Indígenas desempenham
um papel crucial na Amazônia brasileira no que diz respeito aos serviços
ecossistêmicos, protegendo a floresta do desmatamento e da degradação,
o que é essencial para manter o equilíbrio climático global e sustentar a
produção local de alimentos e a segurança nutricional. Um caminho adicional
para promover incentivos econômicos inovadores aos Povos Indígenas está
baseado na Política Nacional de Pagamento de Serviços Ecossistêmicos,
aprovada em 2021 pelo Congresso Nacional (Lei 14.119/2021). Essa
Política representa um avanço significativo em prol da proteção ambiental.
Por essa Lei, os PGTAs nas Terras Indígenas poderiam ser compensados
financeiramente pela prestação de serviços ecossistêmicos. Por exemplo,
essa lei estabelecia que os Povos Indígenas poderiam ser compensados
pela conservação de paisagens de grande beleza cênica. Além disso, os
recursos provenientes desta compensação devem ser aplicados “de acordo
com os planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas, ou
documentos equivalentes, elaborados pelos Povos Indígenas residentes em
cada terra (incisos III da lei (art. 8º, IV)”. Todos os processos que envolvam
PSE devem ser conduzidos considerando a consulta livre e prévia, nos
termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)
sobre Povos Indígenas e Tribais e registrados por contratos (Seção IV; Art.
12º). No entanto, a lei de PSE não é explícita em relação a salvaguardas
além da Convenção 169. Durante a implementação desta Política, é
79
necessário trabalhar no mecanismo para garantir a transparência e como
os benefícios do PSE serão distribuídos entre as partes interessadas.
Nesse sentido, a segurança fundiária é pré-condição e elemento essencial
quando se trata de serviços ecossistêmicos e particularmente fundamental para
os Povos Indígenas na Amazônia. De forma complementar, a aplicação dos PSE
passa, em primeiro lugar, pela estruturação de um sistema de monitoramento
e reporte dos resultados alcançados e de um mecanismo de distribuição de
benefícios que reconheça e remunere diferentes fatores que contribuem para
a conservação das florestas e para a promoção das atividades produtivas.
O potencial de desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas a partir de
produtos florestais e serviços ambientais devem ser alavancados, contudo,
por políticas públicas adaptadas. A falta de implementação de políticas
públicas – como o PNGATI – traz diversas dificuldades para o estabelecimento
de mecanismos que possam empoderar economicamente as comunidades
indígenas, mantendo suas terras e florestas protegidas. Os Povos Indígenas
da Amazônia brasileira têm experimentado atividades econômicas diferentes
e inovadoras nas últimas décadas. Por exemplo, o artesanato que está
sendo produzido por eles agora é comercializado por meio do e-commerce.
Outras atividades econômicas incluem o turismo42 e a exploração de
produtos não madeireiros, como a pimenta Baniwa, o guaraná Sateré-Mawé
e o cogumelo Yanomami. O trabalho da Associação Rede de Sementes do
Xingu também é notável, recuperando cerca de 5.000 hectares de floresta
em 10 anos, utilizando sementes coletadas por 450 Povos Indígenas. Ao
longo desse tempo, a receita para a Associação foi de R$ 2,5 milhões.43
42 Brandão, Cristiane Do Nascimento, José Carlos Barbieri, and Luis Claudio de Jesus
Silva. 2012. “Turismo Sustentável Em Comunidades Indígenas Da Amazônia.” Revista
de Administração de Roraima – RARR, Ed 2, Vol2, p 17 -28 , 2º Sem – BoaVista, 2012.
https://doi.org/10.18227/rarr.v2i2.1136.
43 Marimon, A. S. (2020). Coletoras de sementes e semeadoras de florestas: O
protagonismo das mulheres na Rede de Sementes do Xingu.
80
Foto: Agência Brasil
Apesar dos produtos não madeireiros provenientes das florestas e de
outros biomas brasileiros terem gerado cerca de R$ 1,6 bilhão em 2018, a
economia dos Povos Indígenas da Amazônia parece estar baseada no serviço
ambiental que eles poderiam prestar. O relatório da FAO sobre a governança
florestal pelos Povos Indígenas em todo o mundo enfatiza a “lucratividade
de investir em ação climática nos territórios indígenas”. O relatório estimou
que a compensação aos Povos Indígenas brasileiros e colombianos pelo
serviço já prestado na proteção da floresta contra o desmatamento pode
chegar a 25-35 bilhões de dólares.44 É preciso entender que a economia
indígena, em sua maioria, não é e não pretende ser baseada em elementos
básicos da economia capitalista como a propriedade privada dos meios de
produção, o pagamento pelo trabalho realizado e a geração de lucro.
A economia dos Povos Indígenas compreende a pesca, a caça, a coleta de frutas
e a agricultura de subsistência, e as Terras Indígenas são de uso coletivo nas quais
o conceito de lucro é desconhecido. No entanto, os Povos Indígenas precisam
de recursos financeiros para continuar vivendo em suas vastas terras. Iniciativas
44 FAO and FILAC. 2021. Forest governance by indigenous and tribal peoples. An
opportunity for climate action in Latin America and the Caribbean. Santiago. FAO.
https://doi.org/10.4060/cb2953en
81
de pagamento de serviços ambientais (PSA) constituem um caminho para o
desenvolvimento econômico indígena em uma Amazônia dinâmica. Portanto,
esse mecanismo se apresenta como uma iniciativa promissora para reduzir o
desmatamento, com implicações para a produção e inclusão social. As florestas
são fontes de subsistência e renda do Povos Indígenas e outras comunidades
tradicionais. Como as Terras Indígenas protegem a floresta de forma eficiente do
desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, os Povos Indígenas
DGM para povos
indígenas (ver Anexo 1)
Atualmente está em implementação no Brasil o Projeto DGM/FIP/Brasil
Fase 2, que dá continuidade ao Projeto DGM/FIP Brasil Fase 1. Ambos são
partes integrantes do Mecanismo de Doação Dedicado a Povos Indígenas e
Comunidades Locais (DGM-GLOBAL) do Programa de Investimentos Florestais
(da sigla em inglês FIP) e seguem suas diretrizes e áreas temáticas. O DGM
Fase 2 tem suas atividades centradas no Bioma Cerrado, que cobre quase
24% do país (2,04 milhões de km2). Com um mosaico de 23 tipos de vegetação
(savanas tropicais, matas, campos e florestas), incluindo regiões que fazem parte
da Amazônia Legal, é considerado um dos 34 hotspots globais de biodiversidade
e abriga 41 povos indígenas. Os Povos Indígenas e as comunidades tradicionais
têm contribuído para a conservação de seus habitats vivos (uma área que
abrange cerca de 15% do bioma), contudo, assim como no caso do bioma
amazônico, também no Cerrado seus sistemas tradicionais de gestão de uso
da floresta/terra, meios de subsistência e sobrevivência cultural estão sob
crescente ameaça devido a pressões externas e internas, que estão corroendo
sua capacidade de adaptação e resiliência social. No Cerrado, as principais
82
poderiam ser compensados financeiramente mantendo o carbono fora da atmosfera.
Em outras palavras, o PSA poderia ser uma fonte de recursos financeiros adicionais
para as ações dos PGTAs, reforçando as diversas iniciativas econômicas que
estão sendo promovidas por eles mesmos, apoiando suas ações independentes
na proteção de suas terras contra desmatamento ilegal, mineração e extração
de madeira ilegal, e promovendo a recuperação florestal ou agroflorestal.
ameaças externas enfrentadas pelas Terras Indígenas e pelos territórios
tradicionais estão relacionadas ao aumento da ocupação das áreas ao redor
dos territórios indígenas e tradicionais nos últimos 20 anos pela monocultura de
grãos (especialmente soja), atividade pecuária intensiva, urbanização e obras
de construção atuais/projetadas, que provocaram a degradação, a poluição e
o assoreamento dos rios, a morte de plantas e animais, mudanças no clima
local e mudanças na dieta dos povos indígenas e das comunidades locais.
O DGM é uma iniciativa global que apoia a participação plena e eficaz de
Povos Indígenas e comunidades locais no esforço internacional para a redução
das emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação
florestal, bem como para a promoção do manejo florestal sustentável e os
estoques de carbono florestal (REDD+). Mais do que o tamanho de seu
financiamento, o DGM se destaca por sua característica de ter sido concebido
por Povos Indígenas e comunidades locais, os quais lideram a governança
do programa em todos os níveis, sendo essa uma iniciativa de vanguarda
no Brasil. Esses grupos são líderes e beneficiários das atividades do DGM,
garantindo que o apoio do programa seja guiado pela demanda e alinhado
aos interesses locais para gerar a mudança a partir do zero. Neste caso,
o Projeto se organiza em torno de dois eixos principais de atividades: (i)
apoio a subprojetos comunitários (com fornecimento de assistência técnica
e doações); e (ii) capacitação, redes e intercâmbio de conhecimento.
83
Foto: Agência Brasil
84
Recomendações
e Estratégias
Considerando os desafios e as perspectivas elaboradas
anteriormente, serão apresentadas recomendações
que, em alinhamento às estratégias de atuação do
Banco Mundial para relação com os Povos Indígenas
e para atuação na Amazônia, podem promover o
fortalecimento de ações como (i) a melhoria da
segurança dos territórios indígenas; (ii) o fortalecimento
da governança; (iii) a promoção de investimentos
públicos na prestação de serviços de qualidade e
culturalmente apropriados; e (iv) o apoio aos sistemas
indígenas para resiliência e subsistência, visando
a mitigação e a adaptabilidade frente aos eventos
climáticos extremos e a garantia da soberania alimentar.
Tais enfoques são essenciais para reduzir os aspectos
multidimensionais da pobreza, ao mesmo tempo em
que contribuem para o desenvolvimento sustentável
e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS). Nesse sentido, o Banco Mundial trabalha com
os Povos Indígenas e governos para garantir que
programas de desenvolvimento mais amplos reflitam
as vozes e aspirações desses grupos, considerando
suas particularidades e seus aspectos socioculturais.
85
Dentre os objetivos apoiados pelo Programa do Grupo Banco Mundial
no âmbito da Estratégia de Parceria desenvolvida para o Brasil durante
o período de 2024 a 202845, encontram-se agendas essenciais para
os Povos Indígenas e a região amazônica, com foco na melhoria da
governança e no fortalecimento das instituições. Como resultado desse
enfoque, serão apoiados modelos de governança fundiária inclusivos,
transparentes e sustentáveis para promover uma maior regularização
fundiária de territórios indígenas/tradicionais. Além disso, na busca por
melhores oportunidades para os Povos Indígenas, serão envidados
esforços para garantir que eles (junto das mulheres e dos afro-brasileiros)
se beneficiem da implementação de práticas ambientais sustentáveis
por meio do acesso facilitado a tecnologias de agricultura regenerativa,
sistemas produtivos de baixo carbono e financiamento verde, entre outros.
Os engajamentos do Banco Mundial no Brasil serão compatíveis com o
programa da América Latina e Caribe para a Amazônia, concentrando-se
na busca de: (i) uma Amazônia verde — salvaguardar os ativos naturais
por meio do fortalecimento da gestão florestal, fundiária e hídrica, das
áreas protegidas, dos territórios indígenas e da regularização fundiária
e ambiental; (ii) uma Amazônia próspera — promover oportunidades
econômicas inteligentes em termos de natureza, promovendo a
bioeconomia e cadeias de valor produtivas e sustentáveis, a agricultura
de baixo carbono, a restauração florestal e os empregos urbanos verdes;
e (iii) uma Amazônia habitável — atender às pessoas, melhorando os
serviços rurais de saúde e educação, as infraestruturas básicas e a
conectividade e promovendo cidades sustentáveis e resilientes.
Historicamente, o apoio do Banco Mundial na região da Amazônia desde
a década de 1990 já contribuiu com a demarcação de Terras Indígenas
em uma área do tamanho da Suécia; com o estabelecimento de reservas
extrativistas geridas pela comunidade; com maior adoção de abordagens
de manejo florestal certificadas; com o fortalecimento institucional
45 Country Partnership Framework (CPF)
86
significativo em níveis federal e estadual; e com abordagens participativas
em centenas de comunidades e organizações da sociedade civil46.
Do ponto de vista da atuação do Banco Mundial, neste momento, tem-
se buscado o envolvimento com organizações de Povos Indígenas para
melhor entender e desenvolver o conhecimento tradicional para soluções
de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Por meio de doações
diretas a organizações indígenas e da inclusão em programas nacionais,
o Banco também está trabalhando para promover o reconhecimento e
o fortalecimento das contribuições significativas dos Povos Indígenas
como gestores das florestas e da biodiversidade do mundo. Com uma
estratégia baseada no aproveitamento dos compromissos existentes para
obter maior impacto, o Banco Mundial, através da articulação de seus
projetos, tem como visão a construção de uma Amazônia sustentável
(verde, próspera e habitável), na qual deve-se garantir a salvaguarda
dos ativos naturais, o fortalecimento das oportunidades econômicas
inteligentes em relação à natureza e ao serviço às pessoas.
Tal estratégia é conformada pelos eixos (i) rios limpos e de fluxo
livre; (ii) áreas protegidas; (iii) governança territorial/fundiária; (iv)
crescimento da bioeconomia; (v) capacitação do setor privado;
(vi) finanças públicas e governança; (vii) cidades sustentáveis e
resilientes; (viii) desenvolvimento centrado nas pessoas; (ix) melhoria
da conectividade; (x) energia acessível, sustentável e limpa.
A fim de buscar o aumento dos benefícios e dos impactos
positivos e ajudar a preencher as lacunas de financiamento
para a região amazônica, tem-se como linhas de ação:
• Priorizar investimentos para reduzir o desmatamento nos biomas
da Amazônia e do Cerrado, com (i) foco em investimentos críticos
para atingir as metas de desmatamento em curto prazo (ii)
resistentes à reversão de políticas e (iii) replicáveis e escaláveis.
46 https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/overview#3
87
• Simplificar os empréstimos para ações prioritárias.
• Auxiliar o governo brasileiro a melhorar o uso dos recursos existentes
(reforma dos sistemas de crédito público e do fundo climático,
fortalecimento dos órgãos ambientais e da administração pública, etc.)
• Fornecer assessoria para reformar o mecanismo de transferência fiscal,
incluindo elementos baseados em desempenho para estados e municípios,
beneficiando aqueles que reduzirem as taxas de desmatamento.
• Alavancar o financiamento privado criando condições favoráveis
(garantias para Parcerias Público Privadas, segurança de posse,
concessões florestais, garantias de financiamento de carbono etc.)
• Ajudar a mobilizar o financiamento do carbono florestal e criar
a prontidão e a infraestrutura necessárias para o REDD+.
Considerando a relação do Banco Mundial junto aos seus
Mutuários em projetos nos quais a NAS 7 seja avaliada como
relevante, e visando fechar as lacunas identificadas entre a
legislação nacional e a referida NAS, recomenda-se que:
• Em relação às consultas aos Povos Indígenas, os Mutuários
devem sempre buscar o envolvimento das associações ou
organizações indígenas que representem os povos em questão.
O engajamento e o contato dos Mutuários com as populações
afetadas devem ser estabelecidos nas etapas de concepção
e planejamento do projeto, de forma que as considerações
registradas possam ser incorporadas às atividades propostas.
• Considerando mais especificamente a implementação dessas consultas,
recomenda-se que os Mutuários adotem, quando pertinente, os
88
Protocolos de Consulta desenvolvidos pelos Povos Indígenas (quando
disponíveis) e, caso haja o interesse por parte dos grupos indígenas,
apoiem a elaboração dos mesmos onde eles não estejam disponíveis,
de modo a assegurar que esse processo seja culturalmente adequado.
• Em complementação à recomendação anterior, recomenda-se que
o Banco Mundial trabalhe em colaboração com os Mutuários para
desenvolver diretrizes claras de engajamento e consulta junto aos Povos
Indígenas, divulgando amplamente o conteúdo da NAS 7. Este esforço
pode incluir workshops, sessões de formação, cursos online, materiais
impressos e divulgação nas redes sociais de forma a orientar os órgãos
de governo e outras instituições associadas ao tema (associações
indígenas, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa etc.)
• Considerando as fragilidades institucionais que obstam o cumprimento
do marco legal brasileiro, recomenda-se também a realização, pelo
Banco Mundial, de atividades que promovam o diálogo e a troca
de experiências entre as principais instituições envolvidas com a
política indigenista no país – como as agências governamentais
(MPF, Funai, MPI e outras), associações indígenas, universidades,
organizações da sociedade civil e instituições de pesquisa.
Ao mesmo tempo, em linha com as necessidades levantadas pela
comunidade científica e pelas organizações indígenas e grupos que
as apoiam, assim como em consonância com as recomendações do
CCDR (2023), deve-se ter no horizonte o apoio a ações estratégicas
e políticas efetivas por parte do Estado brasileiro, como:
• A retomada das demarcações territoriais tradicionalmente ocupadas por
Povos Indígenas, Quilombolas e Povos e Comunidades Tradicionais.
89
• A efetiva dissuasão do garimpo ilegal, da extração de madeira, da
grilagem de terras e do desmatamento de Terras Indígenas, acelerando a
demarcação, regularização e proteção de Terras Indígenas, quilombolas e
territórios tradicionais e implementando ações de monitoramento, comando
e controle que garantam a segurança territorial e física desses povos.
• O fortalecimento da governança fundiária, incluindo a provisão de recursos
adequados para o monitoramento de florestas por satélite (por exemplo,
PRODES e DETER) e órgãos de fiscalização, com o fim da interferência
política e eliminação de incertezas sobre a implementação de leis.
• A modernização das práticas de registro, análise e validação
fundiários, que também acelerariam a validação do Cadastro
Ambiental Rural (CAR), que, por sua vez, possibilitaria a
utilização de instrumentos do Código Florestal, tais como o
mecanismo de comercialização de certificados florestais.
• O reconhecimento e a valorização do papel fundamental que os Povos
Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (e as terras sob
seu controle) desempenham na mitigação e adaptação às mudanças
climáticas, barrando o desmatamento e a perda de biodiversidade.
• A promoção do Etnodesenvolvimento dentro dessas
comunidades respeitando seus modos de vida tradicionais,
valorizando seus saberes tradicionais e projetos de vida.
Uma vez que os territórios estejam estabelecidos e protegidos, de
modo a assegurar a manutenção e a reprodução física e sociocultural
desses povos – que garantem a preservação florestal, a conservação
da biodiversidade e a redução do desmatamento –, os benefícios
experimentados alcançarão não somente eles próprios (que, antes
de tudo, devem ter seus direitos básicos garantidos), mas também
Amazônia em geral e, consequentemente, todo o planeta.
90
Anexo 1
Portifólio Brasil
– Projetos com
relação direta com
Populações Indígenas
Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia
O Programa Global Environment Facility Trust Fund (GEF) Paisagens
Sustentáveis da Amazônia (Programa ASL), que tem como objetivo proteger
as áreas de ecossistemas florestais amazônicos globalmente relevantes,
além de implementar políticas para promover o uso sustentável dos recursos
naturais e a restauração da cobertura da vegetação nativa na região. O Projeto
nacional brasileiro foi elaborado com base nas experiências de trabalho na
Amazônia brasileira, para fortalecer a conservação da biodiversidade, reduzir o
desmatamento e melhorar os meios de subsistência das comunidades locais.
O projeto ASL não é voltado diretamente para povos indígenas, porém,
como algumas atividades tangem povos indígenas cujos territórios estão na
área de entorno ou sobrepostas, ou ainda povos que vivem em Unidades
de Conservação, como APAs e RDS, como os Kambeba e Baré, na
APA Margem Esquerda do Rio Negro. Nesse contexto, além de propor
ações de controle e monitoramento com as políticas de salvaguardas
socioambientais do projeto, evitando e/ou minimizando potenciais impactos
negativos, os povos indígenas podem participar das ações de restauração
florestal, acordos de pesca, planos de gestão, planos de manejo, etc.
91
Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos
Indígenas, Quilombolas e Comunidades
Tradicionais no Âmbito do Programa de
Investimento Florestal – DGM/BRASIL (Fase 2)
O Mecanismo de Doação Dedicado a Povos Indígenas, Quilombolas e
Comunidades Tradicionais - Dedicated Grant Mechanism (DGM) Global é
uma iniciativa estabelecida no âmbito do FIP/Programa de Investimento
Florestal, com a finalidade de conceder subsídios destinados aos Povos
Indígenas e Comunidades Locais (PICL) e apoiar suas iniciativas em
14 países do FIP, visando fortalecer a sua participação na discussão
sobre mecanismo REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e
Degradação). Ampliando a conservação, o manejo e aumento dos estoques
de carbono florestal em nível local, nacional e global. O FIP é um dos três
programas que compõem o Fundo Estratégico do Clima (Strategic Climate
Fund - SCF). Por sua vez, o Fundo Estratégico do Clima (SCF) faz parte
dos Fundos de Investimento em Clima (Climate Investment Funds - CIF).
O DGM Brasil se insere no DGM Global e é um fundo de apoio aos Povos
Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades Tradicionais
do Cerrado Brasileiro, fazendo parte do Programa de Investimento
Florestal (Programa DGM/FIP/Brasil). Este fundo apoiará projetos que
evitem o desmatamento e a degradação do Cerrado, que promovam
a proteção, a conservação dos recursos naturais (especialmente
florestais) e a inclusão social. Através destes projetos serão fomentadas
ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Em sua primeira etapa, o DGM Brasil, apoiou 64 subprojetos que promoveram
a agroecologia, o agroextrativismo sustentável, a recuperação dos recursos
naturais, a conservação da biodiversidade, a diversificação de mercados e a
elaboração de planos de gestão ambiental e territorial. De forma geral o DGM
beneficiou diretamente 51 subprojetos para Povos Indígenas, de diferentes
territórios, entre eles os Povos Apinajé, Atikum, Bakairi, Enawenê Nawê,
Fulniô, Guarani-Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guajajara, Krikati, Krahô, Krahô-
Kanela, Karajá, Kinikinau, Myky, Terena, Tuxá, Xakriabá, Xavante e Xerente.
92
Projeto Bahia que Produz e Alimenta
O Projeto Bahia que Produz e Alimenta apoiará, em todo o estado da Bahia, o
incremento à produtividade agropecuária, melhorias no acesso ao mercado e
ações estratégicas no desenvolvimento da resiliência climática na agricultura
familiar, ao mesmo tempo que expandirá o acesso a serviços de água em
comunidades rurais selecionadas, contemplando Organizações Produtivas,
agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais.
O projeto se encontra na fase de preparação, quando foi elaborado
um Marco da Política para Povos Indígenas, no intuito de estabelecer
os princípios, diretrizes e estratégias para assegurar a participação
ativa e significativa dos povos indígenas, seja para assegurar que
eles não sejam excluídos dos seus benefícios e que, tampouco,
sejam eventualmente afetados pelas suas atividades.
Agroecologia e Desenvolvimento Rural
Sustentável em Pernambuco
O Projeto Pernambuco Agroecológico (PEAgro) visa promover o
desenvolvimento rural sustentável e uma maior equidade de gênero no
meio rural por meio da proteção e restauração dos recursos ambientais e
da ampliação e diversificação da produção agroecológica e orgânica da
agricultura familiar no estado de Pernambuco. O projeto contemplará os
povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores,
marisqueiras e vaqueiros) nos territórios atendidos pelo projeto,
tendo como base o respeito à sua cultura, saberes e tradições.
Os povos indígenas de Pernambuco serão convidados e consultados
para as ações do projeto, por intermédio das suas instâncias de
organização sociopolíticas de forma a estabelecer diálogos interculturais,
numa perspectiva participativa, inclusiva, colaborativa e dialogada para
a construção e implementação em conjunto de projetos advindos da
demanda local. Para atender os povos indígenas no PE Agroecológico
serão desenvolvidas parcerias com as organizações indígenas,
93
indigenistas e com todas as instâncias governamentais relevantes.
O monitoramento e avaliação da participação das populações
indígenas adotarão a mesma metodologia do PE Agroecológico e os
indicadores estabelecidos para acompanhamento desse grupo.
Mato Grosso Produtivo
O MT Produtivo tem por objetivo promover o desenvolvimento rural sustentável
da Agricultura Familiar, dos Povos Indígenas e das Comunidades Tradicionais
a partir da melhoria da produção, do fortalecimento das cadeias produtivas, do
aumento da competitividade e do acesso a mercados de maneira inclusiva e
sustentável. Não é esperado que o Projeto tenha qualquer impacto adverso nos
Povos Indígenas. Ao contrário, ele pode contribuir para promover intervenções
de desenvolvimento sustentável que os beneficiem, melhorem seu padrão de
vida e meios de subsistência de uma maneira que respeite suas aspirações,
identidades culturais únicas, conhecimento tradicional e meios de subsistência
baseados em recursos naturais e que seja culturalmente apropriado e inclusivo.
O projeto se encontra na fase de preparação, quando foi elaborado um
Quadro de Planejamento para os Povos Indígenas, no intuito de estabelecer
os princípios, diretrizes e estratégias para assegurar a participação ativa e
significativa dos povos indígenas, seja para assegurar que eles não sejam
excluídos dos seus benefícios e que, tampouco, sejam eventualmente
afetados pelas suas atividades. Apesar da estratégia para atendimento
aos Povos Indígenas ainda não estar definida, na etapa de preparação
já foram realizados diálogos, consultas e atividades de escuta com
associações e lideranças indígenas a fim de que suas contribuições
sejam registradas e, na medida do possível, incorporadas ao Projeto.
Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e
Sustentável do Mato Grosso – PADIS MT
Com foco no apoio ao estado e sua estratégia de recuperação e aceleração
da aprendizagem, o Projeto abordará os principais desafios inter-
relacionados na educação. As populações indígenas beneficiadas serão
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atendidas dentro do componente 3, que visa criar ambientes adequados
de aprendizagem por meio de reformas e manutenção da infraestrutura
escolar, além de adaptações para fomentar escolas mais resilientes
aos potenciais impactos da mudança do clima, e promover ambientes
escolares mais seguros e inclusivos – dentro deste componente está
previsto um subcomponente voltado para a prevenção da violência e
promoção da inclusão, que também se estende às escolas indígenas.
A Estratégia para povos indígenas do PADIS MT foi desenhada em
conjunto com o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena de
Mato Grosso. Foram dezenas de reuniões ao longo de um ano para
definir como e quais escolas indígenas serão atendidas. O projeto
contou com uma preparação diferenciada, partindo de uma construção
coletiva, com protagonismo dos povos indígenas nas decisões do projeto
que afetam diretamente os povos originários de Mato Grosso.
Programa de Manutenção Proativa, Segura e
Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia
O Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do
Estado da Bahia – Pró-Rodovias visa melhorar o acesso a oportunidades
econômicas para a população da Bahia mediante a melhora das
condições de tráfego, segurança viária e resistência climática da malha
rodoviária, aumentando a sustentabilidade da infraestrutura do estado.
Dentro do Subcomponente 3.3 (dedicado à recuperação de estradas vicinais),
a SEINFRA realizará ações voltadas para a execução de obras em estradas
vicinais de municípios reunidos em Consórcios Intermunicipais, dentre os
quais se registra a presença dos Povos Indígenas Tumbalalá e Pataxó Hã-Hã-
Hãe. Essas ações terão como objetivos: a melhoria das condições de tráfego
ao longo de todo o ano nas estradas municipais (rurais) não pavimentadas e
a ampliação do grau de acesso dos produtores ao mercado e o alcance de
níveis maiores de mobilidade por parte dos moradores do entorno do projeto
viabilizando o acesso das comunidades à escola e serviços de saúde.
95
Durante a etapa de preparação do Projeto foi elaborado um Plano de
Povos Indígenas, no qual ficaram estabelecidas as atividades de consulta,
participação e engajamento dos Povos Indígenas atendidos, assim como
a garantia do atendimento a protocolos de conduta dos trabalhadores da
obra, estabelecidos a partir de diretrizes definidas pelos povos indígenas.
Dentre as definições adotadas, estabeleceu-se que os dois grupos que
estão na área geográfica de atuação das atividades não irão concorrer
por recursos com as demais solicitações, estando, portanto, o seu
atendimento assegurado. A definição dos trechos prioritários a serem
recuperados também foi definido pelos próprios grupos indígenas.
Programa de Manutenção Proativa, Segura e
Resiliente das Rodovias no Brasil – Estado
do Mato Grosso do Sul – Fase 4
Em fase de preparação, o Projeto tem como objetivo garantir o acesso e
tráfego sustentável, seguro e resiliente aos eventos climáticos extremos
nas rodovias estaduais, promover o desenvolvimento socioeconômico,
o fortalecimento institucional e melhorar o acesso aos ambientes de
aprendizagem e desenvolvimento humano no Estado de Mato Grosso do
Sul, com a integração de aspectos ambientais, sociais e de segurança viária.
Estão previstas melhorias relacionadas à segurança viária no entorno de
escolas indígenas – previamente selecionadas por meio de consultas e
diálogos entre as instituições estaduais e lideranças e associações indígenas.
A definição das diretrizes para o engajamento culturalmente adequado dos
grupos indígenas que terão relação com Projeto foram desenvolvidas no
âmbito do Plano de Engajamento das Partes Interessadas, divulgado e
em processo de consulta, de modo a garantir de que os eventuais riscos
decorrentes do Projeto sejam evitados e/ou mitigados e que seus benefícios
sejam potencializados e acessados por esses grupos de maneira adequada.
96
Restituição de Terras como Construção
da Paz em Territórios Indígenas
O Projeto é financiado pelo Fundo de Estado e de Consolidação da Paz
(State and Peacebuilding Fund, SPF), um fundo de doação do Banco
Mundial que destina recursos para atividades de prevenção de conflitos e
fortalecimento da resiliência em situações de fragilidade, conflito e violência.
O projeto visa apoiar e fortalecer os esforços institucionais do Ministério dos
Povos Indígenas (MPI) na prevenção e redução dos altos níveis de violência
contra as comunidades indígenas causados por conflitos fundiários, e é
estruturado em três componentes principais: o mapeamento de conflitos
fundiários em territórios indígenas, a produção de notas técnicas para
mediação e resolução de conflitos, e a disseminação de conhecimento.
O primeiro componente foca na consolidação e sistematização de informações
de processos administrativos e judiciais referentes a conflitos em territórios
indígenas e a criação de uma plataforma de gestão de informações sobre
conflitos, integrada com sistemas governamentais, para subsidiar as ações
de prevenção e resolução do MPI. O segundo componente visa a elaboração
de notas técnicas para a análise e recomendação de práticas jurídicas e
administrativas para mediação desses conflitos, enquanto o terceiro promove
o engajamento com lideranças indígenas e autoridades para estabelecer
fluxos de ações interinstitucionais a serem acionados em caso de conflitos
fundiários. Esses esforços buscam reforçar a capacidade institucional do MPI,
promovendo a proteção dos territórios indígenas e a construção da paz.
97
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