Série América Latína Indígena / 1 Povos Indígenas e a Amazônia Brasileira Desafios e Perspectivas para um Futuro Sustentável e Inclusivo Direitos e Permissões Esta obra foi elaborada pela equipe do Banco Mundial. Os resultados, interpretações e conclusões expressas nesta obra não refletem necessariamente as opiniões do Banco Mundial, dos membros de sua Diretoria Executiva ou dos governos que eles representam. O Banco Mundial não garante a acurácia dos dados incluídos nesta obra e não assume responsabilidade por quaisquer erros, omissões ou discrepâncias nas informações, ou responsabilidade com relação ao uso ou falha no uso das informações, métodos, processos ou conclusões estabelecidas. As fronteiras, cores, denominações e quaisquer outras informações exibidas em qualquer mapa ou quadros contidos nesta obra não implicam alguma opinião do Banco Mundial sobre o status jurídico de qualquer território, tampouco um endosso ou aceitação de tais fronteiras. 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Julio Pantoja / Banco Mundial Agência Brasil Sumário Abreviaturas e Siglas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Prólogo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Os Povos Indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 A Pan-Amazônia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 Amazônia Brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Interação dos Povos Indígenas com a Amazônia brasileira. . . . . . . . . . . . . 26 Principais Desafios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Capítulo 1: Panorama geral dos Povos Indígenas na Amazônia brasileira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Dados demográficos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Direitos Territoriais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Capítulo 2: Desafios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Violência Ligada às Questões Territoriais e Fundiárias. . . . . . . . . . . . . . . . 49 Indígenas Fora de Terras Indígenas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Mudanças Climáticas e REDD+ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Capítulo 3: Perspectivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Fortalecimento institucional, Inclusão, Conservação da Biodiversidade e Etnodesenvolvimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Recomendações e Estratégias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Anexo 1 Portifólio Brasil – Projetos com relação direta com Populações Indígenas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia – PSAM (P158000). . . . . 91 Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais no Âmbito do Programa de Investimento Florestal – DGM/BRASIL (Fase 2) (P177957). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 Projeto Bahia que Produz e Alimenta (P180429) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável em Pernambuco - PE Agroecológico (P500431). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Mato Grosso Produtivo (P175723) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e Sustentável do Mato Grosso – PADIS MT (P178993). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia – Pró-Rodovias Bahia (P180555). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias no Brasil – Estado do Mato Grosso do Sul – Fase 4 (P505590). . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 Restituição de Terras como Construção da Paz em Territórios Indígenas (P504533) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Lista de figuras Figura 1: Biomas da Amazônia Legal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Lista de Cartogramas Cartograma 1: Terras Indígenas, por situação fundiária – Brasil – 2022 . . 40 Lista de Caixas Dados Importantes: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Indígenas Isolados. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Tese do Marco Temporal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Educação e Saúde Indígenas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 Mercado Voluntário de Carbono (MVC); Populações Indígenas e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 o Banco Mundial O Caso Paiter-Suruí. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Fortalecimento Institucional: Ministério dos Povos Indígenas. . . . . . . . . 71 Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) e Protocolos de Consulta . . . 75 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 DGM para povos indígenas (ver Anexo 1) Lista de Tabelas Tabela 1: Dados Demográficos dos Povos Indígenas da Região Norte do Brasil - 2022. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 Tabela 2: Povos Indígenas por Etnia e Estados da Região Norte do . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Brasil Tabela 3: Quadro Resumo dos Dados do Processo Demarcatório de . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 TI’s do Brasil . . 42 Tabela 4: Terras Indígenas e Área por Estado na Região Norte do Brasil . . . . . . . . . . . 43 Tabela 5: Terras Indígenas nos Estados da Amazônia Legal Abreviaturas e Siglas AAI: Agentes Ambientais e Territoriais Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Indígenas) CAR: Cadastro Ambiental Rural FCPF: Forest Carbon Partnership Facility CCDR: Country Climate and Development FCV: Fragilidade, Conflito e Violência Report (Relatório sobre Clima e FIP: Forest Investment Program (Programa Desenvolvimento para o País) de Investimentos Florestais) CDB: Convenção sobre Diversidade FNRB: Fundo Nacional de Repartição de Biológica Benefícios CGen: Conselho de Gestão do Patrimônio FUNAI: Fundação Nacional do Índio Genético GEE: Gases de Efeito Estufa CIMI: Conselho Indigenista Missionário IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e CLPI: Consulta Livre, Prévia e Informada Estatística CPF: Country Partnership Framework INEP: Instituto Nacional de Estudos e (Estratégia de Parceria do Banco Mundial) Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira DETER: Sistema de Detecção de IPAM: Instituto de Pesquisa Ambiental da Desmatamento em Tempo Real Amazônia DGM: Dedicated Grant Mechanism for MOU: Memorandum of Understanding Indigenous Peoples and Local Communities (Memorando de Entendimento) (Mecanismo de Doação Dedicado a Povos MPF: Ministério Público Federal Indígenas e Comunidades Locais) MPI: Ministério dos Povos Indígenas DSEI: Distritos Sanitários Especiais MVC: Mercado Voluntário de Carbono Indígena NAS: Norma Ambiental e Social EMRIP: Expert Mechanism on the Rights ODS: Objetivos de Desenvolvimento of Indigenous Peoples (Mecanismo de Sustentável 8 OIT: Organização Internacional do SisGen: Sistema Nacional de Gestão do Trabalho Patrimônio Genético e do Conhecimento PCFS: Projeto de Carbono Florestal Paiter- Tradicional Associado Suruí SPF: State and Peacebuilding Fund PEC: Proposta de Emenda Constitucional STF: Supremo Tribunal Federal PGTA: Plano de Gestão Territorial e TIs: Terras Indígenas Ambiental UC: Unidades de Conservação PIB: Produto Interno Bruto UNDRIP: United Nations Declaration on the PL: Projeto de Lei Rights of Indigenous Peoples (Declaração PNGATI: Política Nacional de Gestão das Nações Unidas sobre os Direitos dos Territorial e Ambiental de Terras Indígenas Povos Indígenas) PRODES: Projeto de Monitoramento do UNFCCC: United Nations Framework Desmatamento na Amazônia Legal Convention on Climate Change (Convenção-Quadro das Nações Unidas PSE: Pagamento de Serviços sobre Mudanças Climáticas) Ecossistêmicos UNPFII: United Nations Permanent Forum QAS: Quadro Ambiental e Social do Banco on Indigenous Issues (Fórum Permanente Mundial das Nações Unidas sobre Questões REDD+: Redução de Emissões por Indígenas) Desmatamento e Degradação Florestal UN-REDD: United Nations Collaborative SAD: Sistema de Alerta de Desmatamento Programme on Reducing Emissions from SESAI: Secretaria de Saúde Indígena Deforestation and Forest Degradation in SII: Sistema Indigenista de Informações Developing Countries 9 Prólogo Os Povos Indígenas e as Terras Indígenas desempenham um papel fundamental na proteção das florestas e biomas contra o desmatamento, na conservação da biodiversidade e na regulação do equilíbrio climático. No Brasil, dados revelam que as Terras Indígenas protegem 20,3% das florestas nacionais. Além disso, em Unidades de Conservação onde é permitida a ocupação tradicional, as Terras Indígenas apresentam os mais altos índices de preservação da vegetação nativa, destacando- se em comparação com outras categorias de áreas protegidas. Entretanto, o legado de séculos de exploração e marginalização, expõem os povos indígenas a profundas desigualdades sociais, precariedades no acesso a serviços básicos e uma ainda crescente escalada de ameaças e violações de seus direitos. O avanço do garimpo ilegal, o desmatamento, as invasões de terras tradicionais, e a perseguição a lideranças indígenas têm colocado em risco suas vidas, culturas e modos de subsistência, assim como comprometido os benefícios ambientais globais associados à preservação desses territórios. O Banco Mundial reconhece que a proteção dos direitos dos povos indígenas é um componente fundamental para a promoção do desenvolvimento sustentável. Esses direitos estão intrinsecamente ligados à conservação ambiental, à redução da pobreza e desigualdades, e ao enfrentamento das mudanças climáticas. A Estratégia de Parceria do Banco Mundial – do inglês Country Partnership Framework – com o Brasil, construída a partir de um processo de diálogo com lideranças indígenas e representantes de suas organizações, reflete esse compromisso. Essa estratégia prioriza a segurança fundiária, a promoção de meios de subsistência sustentáveis, o fortalecimento das instituições e da gestão 10 responsável dos recursos naturais, a redução das desigualdades étnico-raciais e de gênero, além da construção de uma Amazônia verde, próspera e habitável. Por meio de parcerias com o governo federal, governos locais, e organizações da sociedade civil, nossos projetos e operações visam não só evitar impactos adversos, mas, principalmente, identificar oportunidades concretas de melhoria dos meios de vida dos povos indígenas. Sabemos que essa não é uma tarefa simples – são necessárias mudanças profundas, sustentáveis e pautadas em compromissos políticos, sociais, econômicos e ambientais nos mais diversos níveis. No entanto, acreditamos que é possível alcançar esses objetivos se conseguirmos avançar de forma conjunta, com ações coordenadas, de forma rápida, ampla e sustentável. Este relatório traz um panorama dos desafios dos povos indígenas na Amazônia brasileira, assim como perspectivas e recomendações que, em alinhamento às estratégias de atuação do Banco Mundial, buscam o aumento dos benefícios e dos impactos positivos nesses esforços. Mais do que tudo, ele reafirma o compromisso do Banco Mundial com um desenvolvimento inclusivo e sustentável, que reconheça a riqueza cultural e ambiental dos povos indígenas como um alicerce essencial para a construção de um futuro justo, equilibrado e próspero para todos. Johannes Zutt Diretor do Banco Mundial para o Brasil 11 Agradecimentos Este relatório é produto do Departamento de Desenvolvimento Social do Banco Mundial para America Latina e o Caribe e faz parte da série América Latina Indígena. A equipe responsável pela elaboração deste relatório utilizou documentos e relatórios produzidos pelos projetos Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia – PSAM (P158000), o Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais no Âmbito do Programa de Investimento Florestal – DGM/BRASIL (Fase 2) (P177957), Projeto Bahia que Produz e Alimenta (P180429), Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável em Pernambuco – PR Agroecológico (P500431), Mato Grosso Produtivo (P175723), Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e Sustentável do Mato Grosso – PADIS MT (P178993), Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia – Pró-Rodovias Bahia (P180555), Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias no Brasil – Estado do Mato Grosso do Sul – Fase 4 (P505590), e o Projeto Restituição de Terras como Construção da Paz em Territórios Indígenas (P504533). Agradecemos às equipes destes projetos pelas suas contribuições. Agradecemos também a longa parceria entre o Banco Mundial, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, e o Ministério dos Povos Indígenas por meio de um Memorando de Entendimento com foco na promoção dos direitos dos povos indígenas, assinado entre ambas as partes no dia 24 de junho de 2024 com a presença da Ministra dos Povos indígenas, Sônia Guajajara, e o diretor para o país do Banco Mundial, Johannes Zutt. A equipe 12 do Banco Mundial agradece o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas pela revisão e envio de comentários detalhados que ajudaram a aprimorar o relatório. Esse documento está alinhado ao Memorando Econômico Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira (2023), que busca fornecer um caminho que proporcione maior renda para a população, e ao mesmo tempo proteger as florestas naturais e os modos de vida tradicionais. Além disso, tem como documento de apoio e referência o relatório interno do Banco Mundial: Indigenous Peoples and Sustainable Development in the Legal Amazon - Technical Notes: a Contribution to The Amazon Economic Memorandum. Por fim, o relatório foi inspirado e está em consonância com a Estratégia de Parceria do Banco Mundial para o Brasil e o Quadro Ambiental e Social do Banco Mundial (ESF), fruto de importantes consultas com representantes relevantes de comunidades indígenas e tradicionais. Esperamos que este relatório contribua para amplificar suas vozes e perspectivas. 13 Foto: Agência Brasil 14 Introdução Os Povos Indígenas Segundo a definição adotada pelo Grupo Banco Mundial em sua página oficial dedicada ao tema, os Povos Indígenas são grupos sociais e culturais distintos que compartilham laços ancestrais coletivos com as terras e recursos naturais onde vivem, ocupam ou dos quais foram deslocados. A terra e os recursos naturais dos quais dependem estão inextricavelmente ligados às suas identidades, culturas, meios de subsistência, bem como ao seu bem-estar físico e espiritual. Eles geralmente subscrevem seus líderes e organizações habituais para representação que são distintas ou separadas daquelas da sociedade ou cultura dominante. Muitos Povos Indígenas ainda mantêm uma língua distinta da língua ou línguas oficiais do país ou região onde residem; no entanto, muitos também perderam suas línguas ou estão à beira da extinção devido ao despejo de suas terras e/ou mudança para outros territórios.1 1 https://www.worldbank.org/en/topic/indigenouspeoples 15 Estima-se que existam 476 milhões de indígenas em todo o mundo, o que representa cerca de 6% da população global. Contudo, eles representam aproximadamente 19% dos pobres extremos do mundo. Além disso, possuem uma expectativa de vida mais baixa do que a população não indígena e, frequentemente, não têm reconhecimento formal sobre suas terras, territórios e recursos naturais. Tal situação, em muitos casos, é uma das principais fontes das violências e vulnerabilidades às quais estão sujeitos, se misturando à precarização dos investimentos públicos em serviços básicos e infraestrutura para seu atendimento. Somado a esse cenário são identificadas importantes barreiras para que tenham acesso à justiça e para sua participação nos processos políticos e de tomada de decisões que podem os afetar. Cerca de um quarto da superfície do globo está sob os auspícios dos Povos Indígenas, territórios que abrangem parte significativa da biodiversidade mundial, quase metade de suas áreas protegidas e uma proporção significativa das paisagens mais ecologicamente intactas do planeta. Grande parte das terras 1/4 da ocupadas pelos Povos Indígenas está sob posse consuetudinária, superfície mas nem sempre lhes são reconhecidas de forma integral e com do globo base em aspectos legais. Mesmo quando territórios e Terras está sob os Indígenas são reconhecidos, a proteção de fronteiras ou o uso e auspícios exploração dos recursos naturais muitas vezes são inadequados. dos Povos A insegurança fundiária é um fator que gera conflitos, Indígenas degradação ambiental e fraco desenvolvimento econômico e social. Isso ameaça a sobrevivência cultural e os sistemas vitais de conhecimento, aumentando ainda mais a condição de vulnerabilidade desses grupos e, por consequência, ampliando os riscos à biodiversidade e a sistemas ecológico únicos – que, por sua vez, impactam os serviços ecossistêmicos dos quais toda uma cadeia de seres (humanos e não humanos) dependem. 16 A fim de enfrentar tais limitações e buscar a ampliação dos benefícios aos Povos Indígenas, o Banco Mundial, tem, dentre as normas ambientais e sociais que compõem o seu Quadro Ambiental e Social (QAS), uma norma voltada aos Povos Indígenas/Comunidades Locais Tradicionais Historicamente Desfavorecidas da África Subsaariana (NAS7). Esta norma contribui para a redução da pobreza e o desenvolvimento sustentável, garantindo que os projetos apoiados pelo Banco aumentem as oportunidades para os Povos Indígenas participarem e se beneficiarem dos investimentos financiados pelo Banco de forma a respeitar seus direitos coletivos, promovendo suas aspirações e garantido que suas identidades culturais e modos de vida únicos não sejam ameaçados ou impactados. A NAS 7 indica ainda que o consentimento livre, prévio e informado deve ser obtido em condições específicas, incluindo quando um projeto se propõe a usar o patrimônio cultural desses povos – prevendo que, nesses casos, eles devem ser capacitados a compartilhar equitativamente os benefícios a serem derivados do desenvolvimento comercial desse patrimônio cultural (material e imaterial), de maneira coerente com os seus costumes e tradições. Atualmente, a NAS7 está sendo aplicada em aproximadamente 33% dos empréstimos de investimento do Banco em todo o mundo.2 Para o caso brasileiro, sobre o qual os detalhes serão apresentados no presente documento, o cenário não está distante deste ilustrado acima em escala global. Contudo, dadas as características particulares do país, tanto com relação à população indígena que habita seus limites territoriais quanto com relação aos biomas que ocupam, há pontos essenciais sobre os quais as atenções devem repousar. Dentre essas particularidades, apesar de toda a diversidade relacionada ao tema, tem-se o fato de estar em território brasileiro a maior parte do bioma amazônico, que abriga uma enorme diversidade ecológica e social. 2 Ver Anexo 1 para uma breve listagem dos principais Projetos (em preparação ou implementação) que, hoje, integram o portfólio do escritório no Brasil e possuem relação significativa com Povos Indígenas. 17 A Pan-Amazônia O bioma amazônico se estende por nove países da América Latina (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Venezuela e Suriname), além de abranger partes de territórios ultramarinos. Sua composição inclui vastas florestas tropicais e vegetação não florestal (cerrados e campos naturais), terras agrícolas, zonas úmidas e áreas urbanas. Além disso, o rio Amazonas e seus afluentes compõem a bacia amazônica (a maior bacia hidrográfica do planeta), abrangendo cerca de 25 mil quilômetros de rios navegáveis. No total, são cerca de 7 milhões de km² ocupados pelo bioma, que abrigam a maior floresta tropical do mundo, sendo que as Terras Indígenas e Áreas Protegidas em geral ocupam quase metade desse território. As maiores áreas do bioma estão situadas no Brasil (62%), seguido do Peru (11%), Bolívia (8%) e Colômbia (6%).3 Dentre diversos atributos superlativos, a Amazônia é reconhecida por ser o maior sistema de água doce do planeta, com a rede do rio Amazonas transportando 20% da água doce do mundo; por representar 40% da floresta tropical remanescente do mundo; e por abrigar 10% da biodiversidade conhecida em todo o globo. Estas características, combinadas a outras, a faz responsável por armazenar de 150 a 200 bilhões de toneladas de carbono e absorver, anualmente, 5% das emissões globais de gases de efeito estufa. Do ponto de vista social e demográfico, 47 milhões de pessoas vivem no bioma, sendo que mais de 70% estão em áreas urbanas. Desse total, são aproximadamente 2,2 milhões de indígenas, que se organizam em cerca de 410 povos ou grupos, que falam 300 línguas diferentes. As características da Amazônia, por um lado, apontam para um potencial relevante no que diz respeito à prestação de serviços ecossistêmicos associados ao estoque, à preservação e à manutenção de reservas de água doce, a atividades associadas à regulação climática, à produção de alimentos, 3 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/ uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf, acessado em 09/09/2024). 18 Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial ao fornecimento de matéria-prima e conhecimentos para a produção de medicamentos e a uma fonte inesgotável de saberes e práticas culturais e tradicionais – que, por sua vez, têm a possibilidade de proporcionarem meios de subsistência e desenvolvimento econômico para sua população e para a região. Por outro lado, vive-se, na prática, uma situação paradoxal, em que a realidade refletida pelos indicadores socioeconômicos revela um estado de pobreza e desassistência (mesmo dada a riqueza de recursos naturais). Os estados/departamentos/províncias das áreas cobertas pela floresta amazônica nos distintos países, em geral, são as regiões mais pobres de seus países, sendo que 40% da população do bioma vive abaixo da linha da pobreza e 50% das famílias não têm acesso a serviços básicos de saneamento. Apesar do progresso na redução da desigualdade, as minorias étnicas e as mulheres enfrentam níveis mais altos de pobreza, de analfabetismo e de mortalidade infantil, além de taxas mais baixas de educação. Também ressalta-se os altos índices de relatos de violência de gênero. Há, ainda, a indicação de que faltam oportunidades econômicas sustentáveis e de que os serviços públicos são insuficientes para atender as demandas do território e de sua população. 19 Amazônia Brasileira No caso brasileiro, a região amazônica possui dois territórios geográficos: o bioma Amazônia e a Amazônia Legal. O bioma ocupa 4,2 milhões de quilômetros quadrados, divididos entre seis estados do Brasil – Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima e Rondônia – e partes da área dos estados do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins; englobando vários tipos de florestas tropicais úmidas, extensa rede hidrográfica e enorme biodiversidade.4 A Amazônia Legal, por sua vez, possui aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados, representando cerca de 60% do território nacional.5 Instituída em 1953 a partir da necessidade do estabelecimento de limites territoriais para a concepção de estratégias de desenvolvimento econômico da região, seus limites, portanto, não se resumem ao ecossistema de selva úmida, que ocupa 49% do território nacional. A região é composta por 772 municípios, divididos entre os estados Rondônia (52); Acre (22); Amazonas (62); Roraima (15); Pará (144); Amapá (16); Tocantins (139); Mato Grosso (141) e Maranhão (181) – sendo que, no caso do Maranhão, são consideradas apenas as áreas dos municípios situados ao oeste do Meridiano 44º, dos quais 21 deles estão parcialmente integrados na Amazônia Legal. 4 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/ uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf (acessado em 09/09/2024). 5 https://www.ibge.gov.br/geociencias/informacoes-ambientais/geologia/15819-amazonia- legal.html?=&t=o-que-e (acessado em 20/05/2024). 20 FIGURA 1: BIOMAS DA AMAZÔNIA LEGAL Fonte: Relatório Fatos da Amazônia: meio ambiente e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (p. 21) Do ponto de vista demográfico, a população da Amazônia Legal triplicou nos últimos 50 anos, atingindo 28,4 milhões de habitantes em 2021, sendo que um terço desse contingente vive nas nove capitais e suas regiões metropolitanas. Os estados mais populosos são o Pará (8,8 milhões de habitantes) e Maranhão (5,9 milhões).6 Em termos nacionais, a Amazônia fornece serviços ecossistêmicos para o Brasil que são estimados em US$ 317 bilhões por ano. Em termos regionais e globais, a floresta e suas dinâmicas cumprem um importante papel nos equilíbrios ecológicos que atuam no planeta. O bioma amazônico é uma das maiores áreas 6 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia: socioeconomia. Projeto Amazônia 2030. 21 naturais que ainda tem potencial para permanecer conservado e manejado de forma sustentável na Terra, além de abrigar espécies florais e faunísticas endêmicas e ameaçadas e desempenhar um papel crítico na regulação climática (com 70 bilhões de toneladas de estoques de carbono). A floresta amazônica é responsável pela provisão de diversos serviços ecossistêmicos indispensáveis para o bem-estar da humanidade e o equilíbrio global, como manutenção do ciclo da água, manutenção e estabilidade do clima, ciclagem de nutrientes, fornecimento de alimentos, fibras, combustíveis, entre outros. Por outro lado, o desmatamento tropical é um importante impulsionador das mudanças ambientais globais, dados seus impactos no ciclo do carbono e na biodiversidade. A perda da floresta amazônica é particularmente preocupante devido ao tamanho e à rápida velocidade com que a floresta está sendo convertida para outros usos. A maior parte de sua área (84,1%) permanece preservada, mas a taxa média anual de desmatamento acelerou durante um intervalo de alguns anos, após um longo período de declínio – desde 2022 tem se observado, mais uma vez, uma tendência de queda nas taxas de desmatamento. A taxa anual de desmatamento vinha diminuindo – 14.000 km2 nos últimos 30 anos, 12.000 km2 nos últimos 20 anos e 6.500 km2 nos últimos 10 anos – mas acelerou para 7.660 km2 entre 2018 e 2022. Embora o desmatamento tenha diminuído em 22,7% na região amazônica em 2023, os riscos da mudança climática ainda são pressionados pelos altos níveis de emissões geradas pela transformação do uso da terra nos ecossistemas da Amazônia e do Cerrado. Contudo, assim como indicado para a Pan-Amazônia, considerando todos os países pelos quais o bioma se estende, no caso nacional não se pôde escapar de uma condição na qual a riqueza socioecológica da floresta não se encontra refletida nas condições de vida de sua população. Dentre as regiões brasileiras, considerando os rendimentos domiciliares per capita médios, a Região Norte é a segunda mais pobre do país, com rendimentos de R$ 1 0967 – muito pouco à frente da Região Nordeste, 7 Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: IBGE, 2023. 22 Dados Importantes: cerca de 60% 44% da Amazônia brasileira é composta por do bioma áreas protegidas, incluindo Unidades de amazônico Conservação e Territórios Indígenas. está no brasil 56 milhões de hectares 28 de terras ainda não designadas milhões de pessoas (mais de 75% vivem em vilas 90% de todo o e cidades) desmatamento na Amazônia brasileira é ilegal. As emissões de GEE do Brasil são 95% do desmatamento é produzido em um raio de dominadas pela 5,5 km de alguma estrada, mudança no uso da principalmente no “arco do terra (52%) e pela desmatamento”. agricultura (24%). 37 milhões de hectares de pastagens já degradadas na Amazônia. 23 Foto: Julio Pantoja/ Banco Mundial a mais pobre do Brasil segundo esse critério (R$ 1 011)8. Em termos de contribuição para o Produto Interno Bruto (PIB), a Região Norte é aquela que menos contribui, com cerca de 6% do PIB nacional em 2023. Segundo dados apresentados no Relatório sobre Clima e Desenvolvimento para o País: Brasil (2023)9, produzido pelo Grupo Banco Mundial, a degradação contínua vem colocando esse ecossistema em risco, pois o bioma amazônico está rapidamente caminhando para um cenário de não retorno – para além do qual grandes áreas da bacia amazônica não mais teriam chuvas 8 Para efeitos de comparação, as demais Regiões brasileiras apresentam os seguintes números: Sul (R$ 1 927), Sudeste (R$ 1 891) e Centro-Oeste (R$ 1 857). 9 Do inglês, Country Climate and Development Report (CCDR). 24 suficientes para sustentar os ecossistemas nativos ou fornecer serviços ecossistêmicos essenciais, tais como mitigação da erosão, abastecimento e purificação da água, biodiversidade e armazenamento de carbono. Ou seja, caso o Brasil não consiga conter o desmatamento e a conversão de terras, a Amazônia poderá chegar a um ponto de inflexão, resultando na destruição permanente da floresta e em impactos sobre os padrões de precipitação em todo o país e na América do Sul10. Por outro lado, se o Brasil atingisse sua meta de desmatamento zero em 2030, 1,4 Gtons seriam reduzidos anualmente (equivalente à emissão anual de veículos nos EUA). Apesar do bom progresso feito desde o início de 2023, são necessárias mudanças estruturais e consenso político para evitar a reversão. Sobretudo, quando se considera que o desmatamento é sistemático e intencionalmente impulsionado pela especulação de terras e atividades ilegais, seguido pela pecuária extensiva e, finalmente, pela expansão da agricultura. Agravando tal cenário, o crime organizado se espalhou para a Amazônia brasileira (mineração ilegal, tráfico de drogas, extração ilegal de madeira), afetando a segurança pública. Complementa este cenário o fato de que os incentivos fiscais atuais favorecem o desmatamento (transferência fiscal baseada no crescimento econômico). É necessário, portanto, um ato de equilíbrio para criar a governança que proteja as florestas e os modos de vida tradicionais e, ao mesmo tempo, ofereça um caminho para maiores rendas e inclusão. 10 Esse risco também é uma realidade para o Cerrado. 25 Interação dos Povos Indígenas com a Amazônia Brasileira A literatura científica tem reconhecido que a região amazônica apresenta uma notável diversidade sociocultural e uma grande multiplicidade de identidades étnicas específicas – especialmente as indígenas. Esses povos possuem diferentes visões, valores e interesses sobre como usar, interagir e vivenciar a natureza para garantir uma boa qualidade de vida. Ao mesmo tempo, os grupos indígenas são detentores de saberes tradicionais por meio dos quais são capazes de acessar de maneira ímpar os elementos e as relações socioecológicas das quais a floresta (mas não só) é composta. Por um lado, essa diversidade cultural e populacional é um desafio para as políticas públicas que visam melhorar as condições de vida das populações vulneráveis, pois devem levar em conta as circunstâncias culturais e organizacionais específicas das comunidades. Por outro, essa sociodiversidade está associada à heterogeneidade ecológica e contribui para a sustentabilidade e amplia as contribuições da natureza amazônica para o bem-estar dos povos (não apenas indígenas). Como já indicado, grande parte das áreas que se mantêm preservadas na Amazônia consistem em áreas protegidas, dentre elas, Terras Indígenas (TI’s). Os Povos Indígenas e as Terras Indígenas (assim como as comunidades tradicionais e as Unidades de Conservação) na Amazônia brasileira desempenham, portanto, um papel fundamental na proteção da floresta tropical contra o desmatamento e a degradação, na conservação da biodiversidade e na regulação do equilíbrio climático do país e da região. Todos esses grupos dependem de meios de subsistência centrados na floresta baseados na caça, pesca e coleta, bem como na agricultura de subsistência e na exploração de madeira e outros recursos florestais usando tecnologia artesanal. Desempenhando um papel tão fundamental para a preservação da floresta, os Povos Indígenas e comunidades tradicionais na Amazônia têm demandas específicas. Sua realidade social está longe de ser satisfatória e muitas vezes é invisível devido à falta de dados, de pesquisas e, sobretudo, de 26 ações e políticas específicas e bem informadas voltadas para esses grupos. De fato, é reconhecido que seu modo de vida tradicional é determinante para manter a saúde da floresta amazônica brasileira. Por meio de dados obtidos a partir da metodologia implementada na plataforma Calculadora de Carbono do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia estima-se (IPAM) e, tomando como base o ano de 2022, estima-se que que as as Terras Indígenas na Amazônia detenham 27% da área Terras florestal e armazenem cerca de 14 bilhões de toneladas de carbono (GtonC)11. No entanto, apesar de se observar uma Indígenas tendência de queda do desmatamento desde 2023, no passado na Amazônia recente o Brasil e a Amazônia (em particular) vivenciaram detenham um aumento nas agressões contra populações tradicionais 27% da área e de invasão de Terras Indígenas; período em que também florestal e aumentaram os alertas de desmatamento dentro de Terras armazenem Indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia brasileira. cerca de 14 bilhões de Nesse sentido, o olhar atento para os povos originários não apenas é uma questão fundamental e urgente em si, dado o toneladas princípio básico de reconhecimento e respeito que devem ser de carbono devotados a qualquer coletivo humano que habite nosso planeta (Gton C) (e, em especial, aqueles formados por grupos minoritários e/ ou que se encontrem em situação de vulnerabilidade) – e isso já seria motivo suficiente –, mas, também, se apresenta com uma possibilidade de aprendizado em busca de uma orientação que aponte para formas viáveis e inovadoras para a promoção de um desenvolvimento inclusivo e sustentável, ao mesmo tempo em que se combata as mudanças climáticas, visando um mundo livre de pobreza em um planeta habitável. 11 Para mais informações, ver: https://carboncal.org.br/ 27 Foto: Julio Pantoja/ Banco Mundial Principais Desafios Diante de tal cenário, no qual a região amazônica vem de um período recente com recordes de desmatamento (ainda que nos últimos dois anos essa tendência tenha se invertido), aumento da violência e agravamento das condições sociais, os Povos Indígenas, dadas as suas características sociais, culturais, demográficas, acabam por se tornarem os grupos mais sujeitos às consequências nefastas desse estado de coisas. Três grandes eixos, quando pensados à luz dos interesses (e da segurança) dos Povos Indígenas, parecem ganhar relevância quando analisados sob o prisma da realidade atual da região amazônica, quais sejam: (i) violência fundiária; (ii) presença de grande número de indígenas nas cidades da região; e (iii) efeitos e consequências decorrentes das mudanças climáticas. 28 Contudo, em grande parte, os fatores que contribuem para a crise atual apresentam elementos que podem servir de base para a sustentabilidade da região. Esse contexto constitui o paradoxo amazônico, ou seja, é possível que a partir de uma situação aparentemente insolúvel surja um novo modelo de desenvolvimento regional baseado no uso sustentável dos recursos naturais da floresta e na sociodiversidade. Neste (potencial) novo modelo, os Povos Indígenas e seus conhecimentos podem (e devem) exercer protagonismo. Neste novo contexto deve-se pensar nesses grupos não apenas pela chave da proteção pura e simples, mas sim como referências, modelos e exemplos daquilo que pode ser feito. Nesse sentido, a proteção anda de mãos dadas com a valorização desses povos e seus saberes, de modo que, sem a garantia de sua proteção não há como aprender com eles e, uma vez que se aprenda com eles, naturalmente estarão sendo protegidos (assim como todo o bioma que os abriga e com o qual eles interagem e coexistem). 29 Foto: Agência Brasil 30 Capítulo 1 Panorama geral dos Povos Indígenas na Amazônia brasileira Dados Demográficos De acordo com o último Censo Demográfico oficial (2022) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os Povos Indígenas estão presentes nas cinco regiões do país e somam 1.693.535 pessoas (0,83% da população total do país). Se comparado aos números do Censo anterior, de 2010, a população indígena praticamente dobrou no período, registrando 31 uma variação positiva de quase 90%12. A população residente nas Terras Indígenas é de 689.202 (622.066 indígenas e 67.136 não indígenas), ou seja, 1.071.469 (63,27%) de indígenas vivem fora de áreas demarcadas. Com relação ao contingente de indígenas vivendo dentro de Terras Indígenas, quase metade dessa população está na Região Norte, com 338.547 (49,12%) pessoas. Em números totais, a região abriga 753.357 indígenas (44,48% de todos que vivem no Brasil). O estado do Amazonas tem a maior população indígena do país: 490.894 pessoas. Eles representam aproximadamente 20% dos Povos Indígenas no Brasil e 12,45% da população do estado. TABELA 1: DADOS DEMOGRÁFICOS DOS POVOS INDÍGENAS DA REGIÃO NORTE DO BRASIL - 2022 Estados da População dos % da População Região Norte Povos Indígenas do Estado Acre 31 699 3,82% Amapá 11 334 1,55% Amazonas 490 854 12,45% 12 Vale destacar que, do ponto de vista metodológico, houve uma alteração entre os Censos Demográficos de 2010 e 2022. Enquanto naquela pesquisa a pergunta de cobertura Você se considera indígena? era restrita às Terras Indígenas e foi responsável por 15,26% da captação da população indígena no recorte de Terra Indígena, e 8,80% no total de indígenas do Brasil, em 2022 essa pergunta de cobertura foi realizada à população residente do conjunto de localidades indígenas representadas pelo IBGE na cartografia censitária de base para o censo, mantendo-se a regra de abertura: aquelas pessoas que, no quesito cor ou raça, não se declarassem indígenas respondiam à pergunta de cobertura Você se considera indígena? Em 2022, essa pergunta foi responsável por 27,58% do total de pessoas indígenas residentes no Brasil, por 3,55% do total de pessoas indígenas residindo dentro de Terras Indígenas e por 41,53% residindo fora de Terras Indígenas no País. Tal mudança atendeu à recomendações de representes de Povos Indígenas que indicaram que no censo anterior houvera uma subnumeração da população indígena fora das Terras Indígenas. 32 Estados da População dos % da População Região Norte Povos Indígenas do Estado Pará 80 974 1,0% Rondônia 21 153 1,34% Roraima 97 320 15,29% Tocantins 20 023 1,32% Total 753 357 Sete dos dez municípios do país com maior número de Povos Indígenas em sua população estão localizados na Região Norte (seis no estado do Amazonas e um em Roraima). São eles Boa Vista – capital de Roraima – com 20.410 indígenas e os municípios amazonenses de Manaus, a capital do estado, com 71.713 indígenas residentes, São Gabriel da Cachoeira (48.256 pessoas), Tabatinga (34.497 pessoas), São Paulo de Olivença (26.619 pessoas), Autazes (20.442 pessoas) e Tefé (20.394 pessoas). De forma similar, seis dos dez municípios do país com maior participação de indígenas em sua população estão localizados na Região Norte: São Gabriel da Cachoeira, Amaturá, São Paulo de Olivença e Santa Isabel do Rio Negro (AM); Normandia e Uiramutã (Roraima). Esses Povos Indígenas pertencem a 305 etnias diferentes e falam 274 línguas indígenas. Os Povos Indígenas encontrados nos sete estados da Região Norte pertencem a 164 grupos diferentes (ver Tabela 2). 33 TABELA 2: POVOS INDÍGENAS POR ETNIA E ESTADOS DA REGIÃO NORTE DO BRASIL Estados Povos Indígenas na Região Norte do Brasil Acre Arara do Rio Amônia, Arara Shawãdawa, Ashaninka, Huni Kuin, Katukina Pano, Kuntanawa, Manchineri, Nawa, Nukini, Puyanawa, Shanenawa, Yaminawá and Yawanawá.13 Amapá Galibi do Oiapoque, Galibi Marworno, Karipuna do Amapá, Palikur and Wajãpi.14 Amazonas Apuriña, Arapaso, Banawá, Baniwa, Barasana, Bará, Baré, Borari, Deni, Desana, Dâw, Hixkaryana, Hupda, Jamamadi, Jarawara, Jiahui, Juma, Kaixana, Kambeba, Kanamari, Karapanã, Katuenayana, Katukina do Rio Biá, Kaxarari, Kaxuyana, Kokama, Koripako, Korubo, Kotiria, Kubeo, Kulina, Kulina Pano, Makuna, Maraguá, Marubo, Matis, Matsés, Miranha, Mirity-tapuya, Munduruku, Mura, Nadöb, Parintintim, Paumari, Pira-tapuya, Pirahã, Sateré Mawé, Siriano, Tariana, Tenharim, Ticuna, Torá, Tsohom-dyapa, Tukano, Tuanayana, Tuyuka, Waimiri Atroari, Waiwai, Warekena, Witoto, Yanomami, Yuhupedeh and Zuruahã.15 13 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Acre. 14 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Amap%C3%A1. 15 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Amazonas. 34 Estados Povos Indígenas na Região Norte do Brasil Pará Aikewara, Amanyé, Anambé, Aparai, Apiaká, Arapiuns, Arara, Arara da Volta Grande, Arara Vermelha, Araweté, Asurini do Tocantins, Asurini do Xingu, Borari, Cara Preta, Gavião Parkatêjê, Guarani, Guarani Mbya, Hixkaryana, Jaraqui, Karajá, Katuenayana, Katxuyana, Kayapó Xikrin, Kuruaya, Mebêngôkre, Munduruku, Panará, Parakanã, Tapajó, Tembé, Tiriyó, Tunayana, Tupaiú, Turiwara, Waiwai, Wajãpi, Wayana, Xipaya and Zo`é.16 Rondônia Aikanã, Akuntsu, Amondawa, Apurinã, Arikapú, Aruá, Cinta Larga, Djeoromitxí, Guarasugwe, Ikolen, Kanoê, Karipuna de Rondônia, Karitiana, Karo, Kassupá, Kaxarari, Kujubim, Kwazá, Makurap, Migueleno, Nambikwara, Oro Win, Puruborá, Sakurabiat, Surui Paiter, Tupari, Uru-Eu-Wau-Wau, Wajuru and Wari’.17 Roraima Ingarikó, Macuxi, Patamona, Sapará, Taurapang, Waimiri Atroari, Waiwai, Wapichana, Yanomami and Ye`kwana.18 Tocantins Apinajé, Avá-Canoeiro, Guarani Mbya, Javaé, Karajá, Karajá do Norte, Krahô, Krahô- Kanela, Tapirapé and Xerente.19 16 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_ Par%C3%A1. 17 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_em_ Rond%C3%B4nia. 18 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_em_Roraima. 19 https://pib.socioambiental.org/pt/Categoria:Povos_ind%C3%ADgenas_no_Tocantins. 35 Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial Ainda de acordo com os dados do Censo 2022 do IBGE, considerando o território amazônico para além dos estados do Norte, tendo em conta, agora, o recorte da Amazônia Legal, foram registradas 867.919 pessoas indígenas nos municípios que integram tal território. Isso representa 3,26% da população residente total da região, sendo 51,25% do universo da população indígena residente no Brasil. Na Amazônia Legal foram recenseados 403.287 indígenas residindo em Terras Indígenas, o que representa 64,83% da população indígena nacional nessas áreas. Com relação à população indígena residente em territórios oficialmente delimitados (Terras Indígenas), a realidade da Amazônia Legal mostra números (46,47%) superiores aos da população indígena do país (36,73%).20 20 Censo Demográfico 2022. Indígenas: Primeiros resultados do universo (pp. 113-4). 36 Indígenas Isolados Também há evidências de Povos Indígenas isolados na Amazônia. O governo brasileiro reconhece a existência de 114 registros de Povos Indígenas que decidiram viver separados ou em isolamento voluntário de outros grupos indígenas ou não indígenas e são encontrados principalmente na região da Amazônia Legal. Esse total de registros, com base na metodologia utilizada e na evolução dos trabalhos conduzidos pela Funai, pode se enquadrar em três categorias (ou etapas): i) os “grupos indígenas isolados”, quando houve trabalhos sistemáticos de localização geográfica, permitindo comprovar sua existência e a obtenção de maiores informações sobre seu território e suas características socioculturais; ii) as “referências de índios isolados”, quando há fortes evidências da sua existência (inseridos e qualificados no banco de dados), porém sem um trabalho sistematizado que possa comprová-la; iii) as “informações de índios isolados”, que são as informações sobre a existência de índios isolados devidamente registradas na Funai, ou seja, que passa por um processo de triagem, porém sem ter ainda recebido um estudo de qualificação. Esses grupos variam de centenas de pessoas a alguns sobreviventes. No passado, esses povos “isolados” muitas vezes mantinham relações com segmentos da sociedade nacional – muitas vezes marcados pela violência, contágio de doenças e extermínio – e, posteriormente, os demais membros desses grupos recusavam a situação colonial e fugiam para áreas de refúgio, em locais remotos e de difícil acesso. Essa decisão de permanecer no isolamento também está relacionada à vivência de condições que lhes permitem suprir autonomamente suas necessidades sociais, materiais ou simbólicas, evitando relações sociais que possam desencadear tensões ou conflitos interétnicos. 37 Os registros da presença de Povos Indígenas isolados estão distribuídos em um conjunto de 86 territórios: 54 Terras Indígenas e 24 Unidades de Conservação (15 federais e nove estaduais). A Funai já demarcou cinco Terras Indígenas, estabeleceu restrições de uso em 6 áreas e está realizando o processo de identificação de uma Terra Indígena devido à presença confirmada de Povos Indígenas isolados. Há ainda oito áreas sem mecanismo de proteção. A política brasileira em relação aos Povos Indígenas isolados parte da premissa de não atingir povos isolados e atuar apenas em casos específicos, quando o grupo isolado estiver em situação de risco, sofrendo alguma ameaça concreta. Essa política de não contato com Povos Indígenas isolados foi adotada desde 1987, quando a Funai criou a Coordenação de Índios Isolados (hoje renomeada como Coordenação Geral de Índios Isolados e Contato Recente – CGIIRC) com o dever de garantir os direitos dos Povos Indígenas isolados e também os de contato recente. A Funai é responsável por garantir aos povos isolados o pleno exercício de sua liberdade e de seus modos de vida tradicionais, sem precisar entrar em contato com eles. Atualmente, a política da Funai voltada para povos isolados e de contato recente é considerada de vanguarda no cenário mundial. Quando se verifica a presença de Povos Indígenas isolados fora dos limites de Terras Indígenas já demarcadas, a Funai faz uso do dispositivo legal da «Restrição de Uso» da terra para interditar a área de ocupação de grupos isolados, restringir a entrada de terceiros e garantir a integridade física dos Povos Indígenas enquanto outras ações de proteção são realizadas e tramitam procedimentos administrativos para a demarcação de Terra Indígena. A “Restrição de Uso” encontra respaldo no artigo 7º do Decreto 1775/96, no artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 1º, inciso VII da Lei nº 5371/67. 38 Direitos Territoriais No Brasil, o reconhecimento dos direitos originários dos Povos Indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente de sua demarcação, está garantido no artigo 231 da Constituição Federal. Aproximadamente 13,8% das terras do país (1.173.776 km2) são reservadas aos Povos Indígenas. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, obtidos a partir de informações da Funai, considerando as Terras Indígenas Oficialmente Delimitadas (ou seja, aquelas que, em 31 de julho de 2022, estavam na situação fundiária de declarada, homologada, regularizada e encaminhada como reserva indígena), foram contabilizadas 626 Terras Indígenas no país. Dessas, sete estavam em estudo, 45 foram delimitadas, 72 declaradas, 8 homologadas, 475 regularizadas – soma-se a esse total 47 Reservas Indígenas. 626 Terras indígenas 7 em estudo 45 delimitadas 72 declaradas 8 homologadas 475 regularizadas 39 CARTOGRAMA 1: TERRAS INDÍGENAS, POR SITUAÇÃO FUNDIÁRIA – BRASIL – 2022 Fonte: Censo Demográfico 2022. Indígenas: Primeiros resultados do universo – a partir de dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas , 2022. Em novembro de 2024, tendo como base os dados disponibilizados pela Funai por meio do Sistema Indigenista de Informações (SII)21, tem-se o seguinte quadro para todo o território nacional: 21 http://sii.funai.gov.br/funai_sii/informacoes_indigenas/visao/visao_terras_indigenas_ situacao.wsp?tmp.uf_codigo= (acessado em 27/11/2024). 40 TABELA 3: QUADRO RESUMO DOS DADOS DO PROCESSO DEMARCATÓRIO DE TERRAS INDÍGENAS DO BRASIL Fase do procedimento Quantidade de Superfície (ha) demarcatório Terra(s) Indígena(s) Em Estudo 132 899.970,4154 Delimitada 32 507.878,5440 Demarcada 58 6.662.678,9743 Homologada 10 463.372,2427 Regularizada 452 105.808.903,5847 Reserva Indígena 48 65.929,6257 Total 732 114.408.733,3868 Fonte: Sistema Indigenista de Informações (Funai) À parte a diferença temporal entre as duas referências, outro fator que interfere nos números apresentados é que o critério adotado pelo IBGE no Censo de 2022 consideram apenas as Terras Indígenas oficialmente delimitadas. Por outro lado, deve-se destacar que esses números estão em constante variação, uma vez que os processos administrativos de demarcação avançam e, consequentemente, os respectivos status de reconhecimento jurídico. Nesse sentido, por vezes, é possível encontrar divergências entre distintas fontes, mesmo que oficiais. A Região Norte conta com 364 Terras Indígenas22 (mais da metade das Terras Indígenas do país), sendo que deste total cerca da metade é homologada/regularizada. 22 https://terrasindigenas.org.br/ (acessado em 06/09/2024). 41 TABELA 4: TERRAS INDÍGENAS E ÁREA POR ESTADO NA REGIÃO NORTE DO BRASIL Estados Terras Indígenas Área (ha) Acre 36 3.169.618 Amapá 6 4.196.541 Amazonas 175 58.174.477 Pará 68 35.315.216 Rondônia 31 6.261.315 Roraima 35 19.618.634 Tocantins 13 2.580.694 Região Norte 364 129.316.495 Na Amazônia brasileira, a maior parte das terras está sob domínio federal: 43% são áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas) e 21% são terras supostamente públicas fora de áreas protegidas que podem ser ocupadas. As posses de terra cobrem 9% do território e 27% são propriedades supostamente privadas, a maioria sem validação em registros oficiais de propriedade rural. A Amazônia Legal detém 98% da extensão (em área) das Terras Indígenas regularizadas no Brasil. As Terras Indígenas da Amazônia Legal cobrem 1.151.065,6 km2 (23% do território regional). As Terras Indígenas, somadas a outras áreas protegidas, ocupam quase metade da Amazônia Legal. De 2000 a 2018, apenas 13% do desmatamento ocorreu dentro desses territórios. 42 TABELA 5: TERRAS INDÍGENAS NOS ESTADOS DA AMAZÔNIA LEGAL23 Área dos Terras Indígenas % do Estados Estados (km2) (km2) Estado Acre 164.173,429 24.410,2 14,9% Amapá 142.470,762 11.848,8 8,3% Amazonas 1.559.255,881 455.733,4 29,2% Maranhão 329.651,496 22.797,9 8,7% Mato Grosso 903.208,361 149.375,9 16,5% Pará 1.245.870,704 307.681,4 24,7% Rondônia 237.754,172 50.044,7 21,0% Roraima 223.644,530 103.296,4 46,2% Tocantins 277.423,627 25.876,9 9,5% A Constituição Federal Brasileira (artigo 231; § 4º) define as terras ocupadas por indígenas como “inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. O Brasil também ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais, em 2002. A Convenção reconhece plenamente o direito à consulta e ao consentimento livre, prévio e informado dos Povos Indígenas. No entanto, esses direitos têm sido continuamente ameaçados, já que houve até mesmo tentativas de mudar a Constituição nesse sentido, como a Proposta 23 Santos, D.; Lima dos Santos, M.; Veríssimo, B. Fatos da Amazônia meio ambiente e uso do solo. Projeto Amazônia 2030 (link https://amazonia2030.org.br/wp-content/ uploads/2023/01/FatosdaAmazonia_Meioambiente_e_usodosolo.pdf, acessado em 06/09/2024). 43 de Emenda Constitucional nº 215 (PEC 215/2000), que tinha a proposta de incluir dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e a ratificação das demarcações já homologadas; estabelecendo que os critérios e procedimentos de demarcação serão regulamentados por lei. A PEC está atualmente arquivada, mas exemplifica um dentre outros riscos de não reconhecimento dos direitos dos Povos Indígenas. A demarcação de Terras Indígenas na Amazônia (como em outros lugares do Brasil) deve ser continuada para respeitar plenamente o direito dos Povos Indígenas à terra garantido pela Constituição e assegurar a proteção da extensão real da área de terra para manter os invasores afastados. A principal razão para ampliar a demarcação de terras é o cumprimento de um direito constitucional fundamental dos Povos Indígenas. Ao contrário de outras áreas protegidas, cujo objetivo principal é a conservação da biodiversidade, as Terras Indígenas visam salvaguardar os direitos dos Povos Indígenas a suas terras e meios de subsistência por razões sociais, culturais e de equidade. Os Povos Indígenas utilizam os recursos do território de forma diversificada, evitando a dependência externa para sua subsistência por meio de uma combinação de modos de vida tradicionais com perspectivas de uso sustentável. Além disso, a conservação da floresta amazônica em função da presença de Terras Indígenas parece ser mais efetiva e menos dispendiosa do que as alternativas convencionais patrocinadas por diferentes governos nacionais.24 Como mencionado anteriormente, as Terras Indígenas também fornecem vários co-benefícios ecológicos e climáticos. Em suma, a continuidade da demarcação de Terras Indígenas é vital para proteger direitos e gerar benefícios socioeconômicos e ambientais. 24 Walker, W. S., Gorelik, S., Baccini, A., Aragon-Osejo, J., Josse, C., Meyer, C., Macedo, M (2020), “The Role of Forest Conversion, Degradation, and Disturbance in the Carbon Dynamics of Amazon Indigenous Territories and Protected Areas.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 117 (6): 3015–25 (https://doi.org/10.1073/pnas.1913321117). 44 Tese do Marco Temporal No presente momento há uma controvérsia no âmbito institucional brasileiro envolvendo uma agenda chave para os Povos Indígenas e os seus direitos territoriais: a tese do marco temporal. Trata-se de uma tese jurídica segundo a qual os Povos Indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O tema, com base em recurso referente ao caso de um território ocupado pelos indígenas Xokleng, no estado de Santa Catarina, tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2019. Em julgamento ocorrido em setembro de 2023, a Corte Suprema rejeitou, por nove votos a dois, a constitucionalidade de tal tese. Desse modo, ficou definido que a situação da área na data de promulgação da Constituição não pode ser usada para definir se uma área tem ou não ocupação tradicional de comunidades indígenas. O Senado Nacional, por sua vez, colocou em votação, dias depois, um projeto de lei (PL 2.903/2023) que fixa o marco temporal em 05 de outubro de 1988. Ainda em outubro de 2023 o projeto foi sancionado pela Presidência da República, dando origem à Lei 14.701 de 2023. Houve, contudo, vetos a pontos relevantes do PL, mas que, por sua vez, foram derrubados em nova votação no Congresso em dezembro do mesmo ano. Com a rejeição do veto, os indígenas terão direito à demarcação apenas das áreas que ocupavam até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada. A discussão, no entanto, seguirá, uma vez que a constitucionalidade da Lei 14.701/2023 será, mais uma vez, pauta no STF. 45 Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial O rico marco legal relacionado às Terras Indígenas e à adaptação às mudanças climáticas vigente no Brasil não está, contudo, totalmente implementado, e um exemplo é a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). A PNGATI, editada pelo Decreto nº 7.747, de 5 de junho de 2012, representou um notável avanço do Brasil na proteção dos direitos dos Povos Indígenas à terra. Esta Política tem por objetivo garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais encontrados nas Terras Indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria de sua qualidade de vida e as plenas condições de reprodução física e cultural dos Povos Indígenas atuais e futuras gerações, respeitando sua autonomia sociocultural. No entanto, a implementação da PNGATI – que poderia ser uma ferramenta e um meio significativo para subsidiar a contínua demarcação de Terras Indígenas – foi afetada por vários fatores. Entre eles, estão as descontinuidades e alterações de prioridades por parte do governo da vez, implicando, por exemplo, sobretudo no passado recente, em cortes significativos no orçamento de pastas que possuem relação direta com sua execução – como, por exemplo, a Funai (Fundação Nacional 46 do Índio), órgão responsável pela proteção dos direitos dos Povos Indígenas, ou ainda de órgãos ambientais, como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). 25 A implementação dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), principal instrumento de implementação do PNGATI, também não avançou como esperado. Os PGTAs baseiam-se no reconhecimento da autonomia e autodeterminação de cada grupo indígena. Os Planos visam implementar estratégias para o uso sustentável dos territórios e melhorar o bem-estar indígena para proporcionar condições físicas e culturais para atender as gerações presentes e futuras. Os PGTAs são o instrumento mais crucial do PNGATI, pois estabelece requisitos para que os Povos Indígenas promovam e executem – de forma autônoma – seus planos de uso territorial para proteger seu modo de vida e afastar a ocupação ilegal e o desmatamento de suas terras. Idealmente, um PGTA que tenha sido elaborado de maneira adequada e bem sucedida, informa sobre a cultura e os modos de vida daquele grupo, assim como apresenta o mapeamento das ameaças à terra e os potenciais de desenvolvimento que eles almejam para si. Os dados atuais demonstram que a implementação dos PGTAs foi interrompida ou vem ocorrendo de maneira muito lenta. Menos de 20% (ou 129) das Terras Indígenas no Brasil desenvolveram em algum nível seus PGTAs entre 2013 e 2018. Dos PGTAs desenvolvidos ou em desenvolvimento, quase 70% foram apresentados por Povos Indígenas do bioma amazônico, comumente com apoio de organizações da sociedade civil.26 25 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021. “REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13. https://doi.org/10.1111/reel.12389. 26 Sociedade Alemã de Cooperação Internacional – GIZ. Planos de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas do Brasil: Estratégias para Apoiar o Bem Viver, Culturas, Florestas e Paisagens sustentáveis. 47 Foto: Agência Brasil 48 Capítulo 2 Desafios Violência Ligada às Questões Territoriais e Fundiárias Embora seja claro o efeito positivo da demarcação de Terras Indígenas para a interrupção ou diminuição da velocidade de avanço do desmatamento na Amazônia brasileira, nos últimos anos a taxa de desmatamento nestes territórios experimentou uma variação considerável. Segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD),27 houve um pico de área desmatada no interior de territórios indígenas na Amazônia Legal em 2020 (269 km2), com uma manutenção desse quadro em 2021 (249 km2), com a redução desses números nos anos seguintes, alcançando a área de 73 km2 entre agosto de 2023 e março de 2024 – números ainda muito superiores aos 27 Ferramenta de monitoramento da Amazônia Legal baseada em imagens de satélites, desenvolvida pelo Imazon em 2008, para reportar mensalmente o ritmo da degradação florestal e do desmatamento na região. 49 observados em anos anteriores, como 2016 (19 km2) e 2017 (18 km2). Ainda segundo os dados do SAD, desde 2010 1.186 km2 de florestas em Terras Indígenas na Amazônia Legal foram desmatados ilegalmente por madeireiros e garimpeiros ilegais, bem como por grileiros. Contudo, apesar de uma escalada dos números entre os anos de 2018 a 2021, o que se observa atualmente é uma tendência de queda. A apropriação de terras no Brasil tem sido historicamente relacionada à intensa exploração dos recursos naturais, incluindo a usurpação de Terras Indígenas. A grilagem de terras pode ser definida como o apossamento de terras mediante falsos títulos de propriedade. Esse é um crime antigo e que ameaça a sociobiodiversidade dos biomas brasileiros, incluindo a Amazônia. Na região, metade do desmatamento entre 2019 e 2021 ocorreu em terras públicas por meio da grilagem – comprovando que esta é uma estratégia adotada não apenas para acessar recursos de maneira ilegal e criminosa, mas também para sinalizar ocupação de terras e reivindicar direitos à terra.28 29 Em 2019 e 2020, na Amazônia brasileira, 50% do desmatamento ocorreu em florestas públicas dentro de Terras Indígenas, áreas protegidas e florestas públicas não designadas por causa da grilagem de terras. Nos anos de 2019 e 2020, a grilagem de terras representou o principal motor do desmatamento nas Terras Indígenas da Amazônia. O número (e área) de propriedades privadas registradas ilegalmente no Cadastro Ambiental Rural (CARs) que se sobrepõem às Terras Indígenas dá evidência e dimensões da grilagem de terras na Amazônia. O CAR é um cadastro eletrônico de informações georreferenciadas sobre um imóvel rural. Qualquer pessoa pode alegar ser o legítimo proprietário de uma área e registrá-la geograficamente na base de dados do CAR (SICAR). Um 28 Alencar, Ane, Paulo Moutinho, Vera Arruda, and Divino Silvério. 2020. “The Amazon in Flames, Fire and Deforestation in 2019 - and What’s to Come in 2020,” no.3. April. 29 Azevedo-Ramos, C., Paulo Moutinho, Vera Laísa da S. Arruda, Marcelo C.C. Stabile, Ane Alencar, Isabel Castro, and João Paulo Ribeiro. 2020. “Lawless Land in No Man’s Land: The Undesignated Public Forests in the Brazilian Amazon.” Land Use Policy 99 (December): 104863. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104863. 50 processo de validação verificará a legalidade do CAR declarado. No entanto, a validação é lenta, permitindo que grileiros ocupem terras públicas, incluindo as Terras Indígenas. Entre 2016 e 2020, o número de registros do CAR em Terras Indígenas, autodeclarado ilegalmente por “pretensos proprietários”, aumentou 36%. A ocorrência de desmatamento de CARs sobrepostas às Terras Indígenas chega a 3,25% (3,5M ha) da área total de Terras Indígenas no bioma. O crescimento do desmatamento entre 2016 e 2020 em áreas com sobreposição de CARs dentro das Terras Indígenas foi 2,3 vezes maior do que o restante da área das Terras Indígenas – uma evidência de que grileiros A ocorrência de estão usando CARs para ocupar Terras Indígenas impulsionados pela especulação ilegal de terras. desmatamento de CARs Segundo dados do relatório Violência Contra os Povos sobrepostas às Indígenas no Brasil – Dados de 2022, produzido Terras Indígenas anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), chega a 3,25% entre os anos de 2019 e 2022 foram registrados, em (3,5M ha) da área todo o Brasil, 407 casos de conflitos relativos a direitos total de Terras territoriais e 1.133 casos de invasões possessórias, Indígenas exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.30 Conforme o critério adotado pela instituição no bioma. tais ocorrências são classificadas como “violência contra o patrimônio”. Com relação aos principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados no ano de 2022, destacam-se os casos de extração de recursos naturais como madeira, garimpo, caça e pesca ilegais e invasões possessórias ligadas à grilagem de terras. 30 RELATÓRIO – Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2022 (https://cimi.org.br/wp-content/ uploads/2023/07/relatorio-violencia-povos-indigenas-2022- cimi.pdf, acessado em 02/09/2024). 51 Apesar da disseminação geral das ideias de multiculturalismo e da ampla aceitação dos direitos indígenas, os Povos Indígenas ainda são alvo de uma discriminação avassaladora. E a discriminação é usualmente articulada e se sobrepõe a camadas multidimensionais de violência simbólica e física. Durante a última década, a violência contra os Povos Indígenas aumentou drasticamente. A violência é um patrimônio histórico na interação entre o Estado – e sua sociedade – e os Povos Indígenas e tem dimensões materiais e simbólicas, resultantes do comprometimento estrutural das condições de sobrevivência dos povos e indivíduos indígenas por meio de diversas ameaças – entre elas: a deterioração da qualidade de vida decorrente da ausência de demarcação das Terras Indígenas, degradação ambiental, insegurança diante de invasões relacionadas às atividades extrativistas, expansão da agropecuária e construção de rodovias, ferrovias, barragens e hidrelétricas dentro ou próximo a seus territórios. Muitas vezes causam deslocamentos forçados – levando indígenas para áreas periféricas das cidades, gerando o rompimento de seus laços sociais, problemas de saúde mental (ansiedade, angústia e depressão), violência doméstica e suicídios. Além disso, as invasões de forasteiros às Terras Indígenas são frequentemente acompanhadas por um clima regional de violência e ilegalidade contra os Povos Indígenas. Os assassinatos de líderes indígenas e membros de comunidades é o mais grave desses crimes; sendo que muito poucos desses casos resultam em condenações e prisões. Ainda em estreita relação com os números apresentados acima, o estudo Na Linha de Frente: violência contra defensores e defensoras de direitos humanos no Brasil mapeou, em todo o Brasil, 1.171 casos de violência contra defensoras e defensores de direitos humanos entre os anos de 2019 e 2022. Essas violações são divididas entre agressão física, ameaça, assassinato, atentado, criminalização (via institucional), deslegitimação (calúnia etc), importunação sexual e suicídio. A região Norte reúne o maior número de assassinatos, o que pode ser explicado pelo alto índice de conflitos fundiários na região (grilagem de terras públicas, invasões em terras indígenas, desmatamento, mineração ilegal). Por sua vez, quase metade (47%) dos casos violência contra defensoras e defensores de direitos humanos foram registrados na Amazônia Legal – sendo que 919 (78,5%) desses defensores vítimas de violência tinham suas lutas associadas ao tema de Terra, território e meio ambiente; e 346 (29,5%) eram indígenas.31 31 SILVA, Alane Luiza da (Coord.). Na linha de frente: violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil: 2019-2022. 1. ed. Curitiba, PR: Terra de Direitos: Justiça Global, 2023. 52 Foto: Agência Brasil Reina um sentimento geral de impunidade que facilita a continuação destes atos de violência e alarga as lacunas de segurança existentes. Nota-se, contudo, uma flutuação dos dados referentes às taxas de homicídios entre indígenas, quando comparados às taxas de homicídio da população em geral. Entre 2012 e 2022, os dados do Ministério da Saúde mostram uma significativa diminuição da violência letal contra indígenas no Brasil, com a taxa de homicídios caindo de 46,4 para 24,6 por 100 mil habitantes. Em 2022, a taxa de homicídios entre indígenas foi quase igual à nacional, a menor da série histórica (21,5 por 100 mil indígenas contra 21,7 por 100 mil habitantes na população geral). No entanto, 2013 e 2020 foram anos de aumento significativo da violência letal contra indígenas. A tendência de queda começou em 2014 (61,5 mortes por 100 mil habitantes), com exceções em alguns anos. Em 2020, a taxa de homicídios entre indígenas triplicou em relação ao aumento geral, registrando 30,1 por 100 mil indígenas, e destacando sua vulnerabilidade. No geral, a violência foi mais intensa entre indígenas do que na população geral, especialmente entre 2012 e 2021, quando a taxa de homicídios de indígenas chegou a ser o dobro da taxa geral em 2013 e 2014. Indígenas Fora de Terras Indígenas A Amazônia é a região com maior presença de grupos indígenas vivendo em cidades, reservas ou áreas rurais. Quase metade dos 1.693.535 mil 53 indígenas brasileiros está nos nove estados da Amazônia Legal. Por outro lado, representam apenas 1,5% do total da população amazônica. O estado do Amazonas tem o maior contingente de povos e Terras Indígenas – além de florestas preservadas. A extensão territorial é certamente um fator, mas que também está relacionado com trajetórias econômicas e históricas de expansão fronteiriça. É nessa região também que se concentra a maior população indígena vivendo em zonas urbanas e em grandes cidades. A intensificação dos processos de urbanização tem produzido uma interação trágica dos Povos Indígenas com a vida urbana. Visões predominantes e recorrentes de tais interações como aculturação, pobreza e exclusão não são desprovidas de razão. No entanto, apesar de todos os problemas relativos a essas relações, há experiências sinérgicas para ambos os “lados” da equação. O caso de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é de particular relevância. Mais de oitenta por cento da população urbana se reconhece como indígena. Mesmo com várias rodadas de urbanização com protagonistas exógenos incorporando terras e buscando melhores vantagens locacionais, grupos indígenas como os povos Baré e Tucano conseguiram incluir essas áreas urbanas em seus próprios processos de circulação a partir de práticas tradicionais – daí o caráter “multilocacional” desses grupos. Vários lugares fazem parte do cotidiano, no lazer, em todo tipo de eventos culturais, mas também na produção de alimentos e outros usos dos recursos regionais. Uma grande contribuição do caso de São Gabriel da Cachoeira refere-se às maneiras pelas quais esses povos são capazes de desfrutar dos benefícios dos ciclos reprodutivos naturais de maneiras que o ator exógeno médio não pode fazer. Por exemplo, ciclos sazonais são vividos e incorporados à vida cotidiana (na qual a vida econômica está inserida) por meio de atividades como pesca, lazer, agricultura, etc. Essas experiências e conhecimentos garantem sua vantagem econômica. Esse tipo de integração entre natureza e 54 vida urbana – apesar dos processos de expansão de fronteiras e projetos de desenvolvimento – impulsionou a urbanização sem deslocar os povos Baré e Tucano, profundamente ligados à vida urbana de forma ainda mais “enraizada”. Em São Gabriel da Cachoeira, as condições de acesso à terra, renda, oportunidades econômicas e outras condições materiais da vida cotidiana foram “penetradas” pela dinâmica do mercado, mas mantiveram sua multiplicidade à medida que os grupos indígenas se reafirmavam para garantir que os termos da interação também fossem benéficos para eles. Mesmo as condições de moradia e os tipos de inserção no comércio local foram cuidadosamente examinados e implementados por esses grupos, gerando inovações institucionais. Por exemplo, há um assentamento específico na cidade que é propriedade da prefeitura concedida a famílias indígenas que podem precisar passar algum tempo na cidade por qualquer motivo (escola, comércio, desentendimentos pessoais na aldeia, etc.). Além disso, há formas de acesso à terra por meio de relações de parentesco, por meio de troca de serviços e doações – concessão temporária ou definitiva de terras para usos variados com uma série de regras e regulamentação comum desses usos. Note-se que os dispositivos “usuais” de mercado e as relações urbano- industriais estão presentes por meio da especialização produtiva, da propriedade privada, das exportações, do comércio, dos lucros e de outras características tradicionais presentes nas economias capitalistas e nas regiões urbanizadas, e os usos coletivos não estão de forma alguma isolados das regras e regulamentos. O que eles proporcionam são condições híbridas para a criação material e institucional. Além disso, o que salvaguarda a formação de alianças e setores que multiplicam os detalhes e nuances das relações sociais são as estratégias de “famílias mistas”, onde indígenas e não indígenas se casam e formam família. Nesse contexto, a indigeneidade não é condição de exclusão urbana. Aqui, a dimensão econômica é clara: o urbano torna-se um centro de difusão econômica. Saberes, práticas e recursos regionais transbordam para outros territórios fora da Amazônia e até mesmo para fora do Brasil. Por exemplo, novas estratégias de produção por meio de sistemas agroflorestais aumentam a resiliência urbana e 55 ampliam a diversificação econômica. Mais importante, esse processo expande a riqueza percebida da sociedade indígena (urbana) em geral por meio de novos bens, serviços e divisões de trabalho. A relacionalidade da pobreza aqui é bastante direta, pois a maioria não perceberá a sociedade indígena de São Gabriel da Cachoeira como “rica”.32 33 34 Como já mencionado, os Povos Indígenas estão super representados entre a população extremamente pobre e a probabilidade de serem extremamente pobres era mais de duas vezes maior entre eles do que entre a população total do país em 2010. O seu acesso ao mercado de trabalho e financeiro, nos casos em que seja do desejo deles, é muitas vezes barrado por preconceitos no que diz respeito ao seu baixo nível de educação, condições econômicas prévias, capacidade de gestão, falta de compreensão e conhecimento sobre as novas tecnologias. A situação é pior entre as mulheres indígenas, que muitas vezes são discriminadas como indígenas e mulheres, resultando em pior acesso à educação e salários mais baixos do que os homens indígenas (os homens indígenas ganham em média 39% menos do que os homens não indígenas, enquanto as mulheres indígenas ganham quase 58% menos do que os homens não indígenas). Tais situações é ainda pior entre o crescente número de famílias indígenas que vivem em ambientes urbanos marginalizados e favelas mal atendidas, cujas necessidades e prioridades são negligenciadas até mesmo pelas teorias e abordagens baseadas em concepções de etnodesenvolvimento, que são mal interpretadas em torno de estereótipos e pressupostos preconcebidos sobre o que é ser indígena e visam seu retorno aos meios tradicionais de produção dos quais, em muitos casos, eles se afastaram de forma intencional. 32 ELOY, Ludivine; LASMAR, Cristiane. Urbanização e transformação dos sistemas indígenas de manejo de recursos naturais: o caso do alto rio Negro (Brasil). Acta Amazonica, v. 41, n. 1, p. 091-102, 2011. 33 ELOY, Ludivine. Resiliência dos sistemas indígenas de agricultura itinerante em contexto de urbanização no noroeste da Amazônia brasileira, Confins [En ligne], 2 | 2008. 34 EMPERAIRE, Laure; ELOY, Ludivine. A cidade, um foco de diversidade agrícola no Rio Negro (Amazonas, Brasil)?. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum. [online]. 2008, vol.3, n.2. 56 Educação e Saúde Indígenas Os sistemas de saúde e educação escolar dos Povos Indígenas foram concebidos e estabelecidos com base em amplas consultas aos Povos Indígenas. No entanto, assim como no caso de outras políticas, a sua implementação ainda sofre com interrupções e descontinuidades. Por um lado, a provisão de serviços de saúde adequados a todas as Terras Indígenas continua sendo um enorme desafio, dada sua dispersão pelo país e seu relativo isolamento. A Secretaria de Saúde Indígena (SESAI), que é o órgão federal responsável por prestar esse atendimento por meio de seus inúmeros Distritos Sanitários Especiais Indígena (DSEI), sofre com a falta crônica de pessoal e o subfinanciamento, o que há muito dificulta a prestação dos serviços de saúde. Todas essas questões vieram à tona nos esforços para combater a disseminação da Covid-19. Em janeiro de 2023, o número de indígenas mortos por Covid-19 (segundo fontes oficiais) era de 928 indivíduos e 74% da população indígena acima de 3 anos de idade foi vacinada. Atualmente, a Secretaria é coordenada por Ricardo Tapeba, primeiro indígena a ocupar este cargo. Com relação à educação indígena, permanecem alguns desafios relevantes, destacados pelo V Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena – realizado virtualmente em 20 de outubro de 2020, entre eles: (a) cortes orçamentários para políticas públicas de formação de professores e produção de materiais didáticos diferenciados para as escolas indígenas; (b) descumprimento integral das diretrizes curriculares, planos nacionais e metas da Educação Escolar Indígena, já referendados pelo movimento indígena e legislação vigente; (c) a negação de espaços de representação dos Povos Indígenas no Conselho Nacional de Educação e em outros órgãos deliberativos; e (d) a oferta continuada da Educação Escolar Indígena em situações 57 inadequadas, com infraestrutura precária e até inexistente (inúmeros casos de escolas sem prédios, com salas de aula insuficientes, sem bibliotecas, laboratórios e mobiliário adequado e sem acesso à internet, o que intensifica a precarização da educação escolar indígena). De fato, de acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2019 do Instituto Educacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as escolas indígenas enfrentam enormes desafios de infraestrutura: 906 escolas indígenas (27,1% das escolas indígenas do país) não funcionavam em prédios escolares; 1.320 (39,5%) escolas não dispunham de água potável; 1.090 (32,6%) escolas não possuíam energia elétrica; 1.695 (50,7%) escolas não possuíam esgotamento sanitário; e 2.651 (79,3%) escolas não tinham acesso à internet. 58 Mudanças Climáticas e REDD+ No caso brasileiro, o efeito combinado do desmatamento e das mudanças climáticas globais está transformando a Amazônia brasileira em uma área mais seca e quente, impondo uma ameaça extra às Terras Indígenas e à floresta de uma maneira geral, que pode experimentar um processo contínuo de empobrecimento biológico e ecológico. Esse empobrecimento também poderia iniciar um processo de substituição da floresta tropical por um ambiente semelhante ao da savana. Considerando que as florestas amazônicas sustentam uma biodiversidade extraordinária e um estoque de carbono considerável, essencial para manter um sistema ecológico global saudável, essa mudança pode ter um impacto maciço nas mudanças climáticas. Essa combinação de desmatamento e mudanças climáticas globais cria uma situação contraditória para os Povos Indígenas em relação aos seus impactos. Ao mesmo tempo, os Povos Indígenas protegem a floresta do desmatamento, evitando as mudanças climáticas locais e globais; e eles são (ou serão em breve) os principais afetados por essas mudanças. Considerando a projeção atual para os cenários climáticos para 2040-2069, cerca de 60% de todas as Terras Indígenas da Amazônia brasileira poderiam ser afetadas por altas temperaturas e baixa precipitação em comparação com o período entre 1961-1990. As Terras Indígenas localizadas na região leste seriam afetadas por menor precipitação e regimes secos mais frequentes e severos. Dentre os efeitos práticos desses impactos estão mudanças na frutificação de árvores e reprodução de peixes. Essas alterações afetam diretamente o cotidiano dessas populações de maneira transversal, impondo alterações na produção de alimentos e nas relações dos indígenas com os meios naturais, das quais depende suas rotinas de caça, pesca e coleta de frutos, refletindo, inclusive, em seus ritos culturais e práticas rituais. Portanto, dada a intensidade e a interdependência entre os Povos Indígenas e os recursos naturais, dos quais sua sobrevivência física e cultural dependem, esses grupos estão entre as principais vítimas dos efeitos das mudanças climáticas. Para reduzir os efeitos adversos das mudanças climáticas e do desmatamento sobre as Terras Indígenas e manter o regime climático em equilíbrio, será necessário continuar ampliando a titulação de novas Terras Indígenas 59 Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial e Unidades de Conservação na Amazônia brasileira, enquanto as áreas degradadas devem ser reflorestadas. Segundo dados apresentados na Tabela 3 acima, atualmente 222 Terras Indígenas aguardam para serem regularizadas, principalmente na região amazônica (ou seja, para que tenham suas portarias declaratórias homologadas). Além disso, há espaço para a criação de novas Unidades de Conservação na região. Cerca de 50 Mha (o tamanho da Espanha) de “florestas públicas não designadas” ainda não foram destinados à proteção ou uso sustentável pelos governos federal e estaduais, conforme exigido por lei (Lei de Manejo Florestal Público nº 11.284, 2006).35 Um mecanismo específico surgiu em relação à compensação financeira aos Povos Indígenas para evitar que o desmatamento atravessasse a paisagem: a Redução de 35 Azevedo-Ramos, C., Paulo Moutinho, Vera Laísa da S. Arruda, Marcelo C.C. Stabile, Ane Alencar, Isabel Castro, and João Paulo Ribeiro. 2020. “Lawless Land in No Man’s Land: The Undesignated Public Forests in the Brazilian Amazon.” Land Use Policy 99 (June): 104863. https://doi.org/10.1016/j.landusepol.2020.104863. 60 Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+). Desde 2012, diversas iniciativas de REDD+ envolvendo Povos Indígenas ocorreram na Amazônia. Os projetos de REDD+ geralmente acessam o mercado voluntário de carbono – um mercado não regulado, imposto por lei ou acordos da ONU – para gerar créditos de carbono (offsets) negociados internacionalmente. O REDD+ também pode assumir a forma de um mecanismo baseado em fundos. Essa modalidade de REDD+ tem levantado recursos essenciais para países em desenvolvimento ou jurisdições subnacionais, notadamente na América Latina.36 Iniciativas de REDD+ baseadas em fundos, como o Forest Carbon Partnership Facility (FCPF) hospedado pelo Banco Mundial, o Programa UN-REDD ou o Programa REDD para Early Movers da Alemanha estão desempenhando um papel essencial como ajuda oficial ao desenvolvimento na preparação para os mecanismos de REDD+ a serem regulamentados pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, também conhecida como pela sigla em inglês UNFCCC. Em 2012, a Funai contabilizou 30 projetos envolvendo diferentes etnias contatados por empresas ou pessoas físicas interessadas em gerar créditos de carbono florestal (a serem negociados no âmbito do mercado voluntário de carbono). A maior parte dessas compensações financeiras às iniciativas dos Povos Indígenas, contudo, não prosperou nos anos que se seguiram. O único projeto de carbono florestal, autointitulado REDD+, a gerar e comercializar créditos de carbono no mercado voluntário de carbono em Terras Indígenas brasileiras foi o Projeto de Carbono Florestal Paiter Suruí (PCFS). O PCFS pode ser considerado pioneiro, mas revelou várias dificuldades não resolvidas envolvendo um projeto de REDD+ em Terras Indígenas.37 36 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021. “REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13. https://doi.org/10.1111/reel.12389. 37 Garcia, Beatriz, Lawrence Rimmer, Leticia Canal Vieira, and Brendan Mackey. 2021. “REDD+ and Forest Protection on Indigenous Lands in the Amazon.” Review of European, Comparative and International Environmental Law, no. June 2020: 1–13. https://doi.org/10.1111/reel.12389. 61 Mercado Voluntário de Carbono (MVC); Populações Indígenas e o Banco Mundial Uma questão recorrente nos últimos anos relacionados aos Mercados Voluntários de Carbono (MVC) diz respeito à violação dos direitos das comunidades locais, especialmente dos Povos Indígenas. O Brasil, por sua vez, tem estado na vanguarda da capitalização da preservação florestal por meio de mercados de carbono, tendo havido, desde os primeiros dias após o Protocolo de Kyoto, três ondas de projetos sendo submetidos: (i) a primeira onda (de 2010 a setembro de 2020), marcada pelos projetos pioneiros; (ii) a segunda onda (outubro de 2020 – maio de 2023), com a publicação do livro de regras de Glasgow; e (iii) a terceira onda (junho 2023 – abril 2024), quando o Congresso Nacional passou a dar mais atenção ao tema com a discussão de um novo projeto de lei do mercado de carbono. Apesar dos desafios colocados, grupos indígenas vêm manifestando a intenção de liderar e possuir projetos de carbono em seus territórios, para os quais eles têm buscado assistência de organizações da sociedade civil, tanto como co-desenvolvedores dos projetos quanto em capacitação nos aspectos técnicos e jurídicos desses projetos – trabalho que tem se intensificado a partir da terceira onda de projetos, que trouxe também consigo denúncias de comunidades indígenas sendo assediadas por empresas, intervenções do Ministério Público e levas de consultas e reclamações das comunidades e suas associações aos órgãos competentes. 62 O cenário atual ainda é de incertezas. Contudo, a fim de superar esses desafios e potencializar o acesso justo e de maneira bem informada aos benefícios desse mecanismo por parte das comunidades indígenas, o Banco Mundial tem a possibilidade de oferecer seu conhecimento em frentes como (i) o trabalho com as associações para realizar oficinas e desenvolver materiais na multiplicidade de línguas nativas; (ii) o apoio a sessões especiais de treinamento com participantes de orientação técnica em conjunto com ONGs experientes para o desenvolvimento de projetos; (iii) o suporte às equipes jurídicas das associações indígenas e à padronização de documentos e procedimentos; (iv) o compartilhamento de experiências com organizações de outros países da Bacia Amazônica; e (iv) o desenvolvimento de uma atenção especial ao lado comercial do comércio de carbono, de modo que o devido cuidado seja dado à conversão desses créditos em receitas reais, etapa ainda pouco transparente dentro do MVC. 63 Foto: Chris Diewald/ Banco Mundial. As dificuldades para os projetos de Povos Indígenas em REDD+ estão, em parte, relacionadas à abordagem baseada em projetos historicamente adotada para Foto: Brasil Por muitas razões, essa abordagem parece inadequada o mecanismo. Agência para os Povos Indígenas devido aos riscos potenciais envolvidos. Por exemplo, considerar o foco excessivo de projetos de REDD+ na proteção do carbono florestal pode afetar os modos de vida das comunidades indígenas ou violar seus direitos. Em muitos casos, os projetos de REDD+ na Amazônia foram construídos sem a participação e o consentimento livre, prévio e informado das comunidades indígenas e envolvendo contratos abusivos. Além disso, ainda não existe uma definição clara dos princípios, critérios e até mesmo estruturas operacionais para a implementação de projetos de REDD+ em Terras Indígenas; além de não haver garantia de que os projetos de REDD+ em Terras Indígenas respeitem as salvaguardas de REDD+. Dentre alguns desafios que merecem atenção estão (i) os assuntos ligados ao direito à terra, incluindo: aumento dos conflitos fundiários, não avanços dos processos de demarcação e regularização fundiária em Terras Indígenas e territórios de povos e comunidades tradicionais; falta de dados padronizados e sistematizados sobre os diferentes tipos de processos de demarcação e homologação de territórios tradicionais, falta de articulação da Ouvidoria sobre a violação de salvaguardas em iniciativas de REDD+ com outros arranjos de ouvidoria existentes, direcionados a públicos específicos; e (ii) aqueles associados à consulta e participação culturalmente adequadas nos planos de desenvolvimento, exemplificados por: difícil acesso de Povos Indígenas 64 e povos e comunidades tradicionais a pagamentos baseados em resultados de REDD+; acesso indireto de Povos Indígenas, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares abordados seja apoiando projetos de maior escala que se concentram no apoio a essas comunidades, ou apoiando organizações que fazem chamadas públicas com recursos do Fundo Amazônia; e má implementação das instâncias de governança previstas. Diante de tais desafios, em maio de 2023 a Funai emitiu uma Informação Técnica (IT nº 27/2023/COPAM/CGGAM/DPDS-FUNAI) tratando dos subsídios técnicos e proposta de articulações para definir e consolidar o posicionamento institucional perante os projetos de comercialização de créditos de carbono, no âmbito do mercado voluntário, no que se refere às terras e territórios indígenas. O objetivo de tal instrumento é buscar soluções para: i) responder às demandas de análise de propostas/projetos de comercialização de créditos de carbono, no âmbito do mercado voluntário, em Terras Indígenas; ii) orientar as organizações indígenas e empresas interessadas; iii) incidir sobre um eventual processo de regulamentação de projetos de créditos de carbono, no âmbito do mercado voluntário, no que se refere às terras e territórios indígenas. Empreendendo um breve histórico sobre o tema, a IT registra que entre 2008 e 2012 (primeira onda) foram contabilizadas 24 propostas/ projetos localizados em sua maioria na Amazônia Legal; e, na segunda onda (entre 2022 e meados de 2023), as propostas de projetos que chegaram ao conhecimento da Funai envolveram o total de 34 Terras Indígenas (dos quais registrou-se a existência de 9 contratos ou outros instrumentos jurídicos similares firmados). 65 O Caso Paiter-Suruí Um dos primeiros projetos em tramitação de REDD+ no Brasil foi o único em que a comunidade indígena o liderou (junto com o apoio de uma ONG local). A fim de ressaltar a sua especificidade, a Informação Técnica emitida pela Funai em 2023 (IT nº 27/2023/COPAM/CGGAM/DPDS-FUNAI) trata o caso como “a excepcionalidade do Projeto de Carbono Florestal Paiter Suruí (PCFS) na Terra Indígena Sete de Setembro”. Dentre as características que o qualificam com tal, foram listadas as seguintes particularidades: (i) a proponente do projeto é uma associação indígena, a Associação Metareilá do Povo Indígena Paiter Suruí; (ii) o PCFS faz parte de um processo mais longo, de cerca de uma década, de realização de diagnósticos participativos, elaboração de Etnomapeamento e PGTA na TI Sete de Setembro, envolvendo uma série de apoiadores da sociedade civil organizada; (iii) o PCFS foi apoiado e assessorado por uma série de entidades da sociedade civil; (iv) existe uma separação entre o projeto do PCFS e os contratos de compra e venda de reduções de emissões que foram realizados com empresas, ou seja, o projeto tem a liberdade de comercializar a totalidade dos créditos gerados (100%) com quaisquer empresas que queiram comprá-los; (v) foi realizado um processo de consulta livre, prévia e informada, registrado por meio de um laudo antropológico, além da constituição de uma estrutura de governança do projeto baseada na organização social tradicional dos Paiter Suruí; (vi) a elaboração do projeto e a firmação de contratos com as empresas foi acompanhado pela Funai e Ministério Público Federal (MPF); (vii) o projeto e os termos dos contratos firmados levaram em conta e atenderam as recomendações da Funai sobre o tema; (viii) estrutura de governança e de repartição de benefícios clara; (ix) alinhamento do projeto com a PNGATI; e (x) os créditos comercializados pelo PCFS remetiam-se a reduções calculadas em tempo pretérito, portanto sem comprometer o usufruto exclusivo dos recursos naturais (: 4-5). 66 Em relatório publicado em março de 2019 pela Forest Trends é destacado que o PCFS reduziu drasticamente o desmatamento dentro da TI Sete de Setembro durante os primeiros cinco anos de sua operação e financiou seis iniciativas de desenvolvimento comunitário autossuficiente que continuam gerando renda até hoje. No final, porém, o projeto foi suspenso em 2018 (embora tenha exigido e recebido apoio quase unânime do povo Paiter Suruí) após a descoberta de grandes jazidas de ouro no território, o que provocou um aumento no desmatamento e disputas dentro da comunidade. Entre sucessos e desafios, lições foram aprendidas, tais quais: (i) importância do aninhamento dos projetos dentro de uma abordagem nacional ou jurisdicional; (ii) a necessidade de linhas de base e metodologias adaptáveis; (iii) a necessidade de procedimentos de resolução formalizados; (iv) a necessidade de mais cooperação governamental; (v) a necessidade de simplificar projetos; e (vi) a necessidade de fluxos financeiros diversificados. 67 Foto: Agência Brasil 68 Capítulo 3 Perspectivas Fortalecimento Institucional, Inclusão, Conservação da Biodiversidade e Etnodesenvolvimento Desde o começo de 2023 o Estado brasileiro, com a mudança de gestão no âmbito federal, tem indicado uma perspectiva de retomada da relevância da pauta indígena e ambiental em termos nacionais, sobretudo se comparado à administração anterior. Dentre as ações institucionais relevantes, houve a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a “retomada” da Fundação Nacional do Índio (Funai), chefiadas (pela primeira vez) por duas mulheres indígenas. O MPI é responsável pela política indigenista em seu sentido amplo e, especialmente: a) o reconhecimento; garantia e promoção dos direitos dos Povos Indígenas; b) o reconhecimento, a demarcação, a defesa, o uso exclusivo e a gestão de terras e territórios indígenas; c) o bem-estar dos Povos Indígenas; d) a proteção dos Povos Indígenas isolados e de recente contato; e e) a aplicação de acordos e tratados internacionais (especialmente a Convenção 169 da OIT), quando relacionados aos Povos Indígenas. 69 Além, disso, no âmbito internacional, nos últimos 30 anos, os direitos dos Povos Indígenas têm sido cada vez mais reconhecidos por meio da adoção de instrumentos internacionais como a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (da sigla em inglês UNDRIP) em 2007, a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2016, e o Acordo Regional sobre Acesso à Informação, Participação Pública e Justiça em Matéria Ambiental na América Latina e no Caribe (Acordo de Escazú) em 2021. Ao mesmo tempo, mecanismos institucionais globais foram criados para promover os direitos dos Povos Indígenas, como o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (da sigla em inglês UNPFII), o Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (da sigla inglês EMRIP) e o Relator Especial da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. No entanto, embora se reconheça o direito de proteção aos Povos Indígenas, além do seu papel fundamental na proteção dos sistemas naturais, é reconhecido também que há um conjunto de limites que ainda persistem para a garantia dos direitos fundamentais (e constitucionais) desses povos, sendo fundamental promover a sua inclusão em geral e a sua participação na agenda de desenvolvimento regional. A inclusão social tomada como um processo de melhoria dos termos para indivíduos e grupos participarem da sociedade, levando-se em conta a perspectiva de melhorar a capacidade, a oportunidade e a dignidade das pessoas desfavorecidas com base em sua identidade é, permanentemente, um objetivo a ser alcançado. Por sua vez, a exclusão social é um processo multidimensional em que práticas em um domínio levam ou reforçam a exclusão em outro domínio. Políticas de enfrentamento da exclusão social, portanto, requerem uma sequência dinâmica de intervenções. Muitas vezes, a mesma política ou programa pode atravessar diferentes domínios — mercado, serviços e espaços. No caso dos Povos Indígenas, como já vem sendo pontuado, essa base cultural e identitária muitas vezes está em íntima relação com a conservação da biodiversidade (especialmente quando consideramos os grupos que seguem vivendo em Terras Indígenas na Amazônia – recorte adotado nesta análise), sendo que estruturas de políticas públicas eficazes e um ambiente estratégico são condições necessárias para garantir que as relações entre economia, natureza e pessoas sejam elementos essenciais para a proteção desses povos e para o desenvolvimento da região de maneira sustentável. 70 Fortalecimento Institucional: Ministério dos Povos Indígenas MEMORANDO DE ENTENDIMENTO (MEMORANDUM OF UNDERSTANDING - MOU) Em 2024 o Banco Mundial (BIRD) e o MPI celebraram um Memorando de Entendimento para descrever sua intenção mútua de colaborar e cooperar nos objetivos comuns para o desenvolvimento de atividades voltadas para a melhoria de políticas e práticas aplicáveis aos Povos Indígenas, incluindo: (i) compartilhamento de conhecimento e treinamentos com foco na prevenção de conflitos em territórios indígenas; (ii) compartilhamento de boas práticas sobre mediação pacífica de conflitos; (iii) desenvolvimento de iniciativas focadas na promoção dos direitos indígenas, incluindo no combate à violência de gênero; e (iv) desenvolvimento de iniciativas para promoção da agenda de desenvolvimento étnico, incluindo meios de subsistência sustentáveis e oportunidades econômicas inteligentes para a natureza. Dentre as principais atividades e áreas de colaboração contempladas, os participantes planejam e antecipam a realização das seguintes atividades: (i) planejar atividades conjuntas em áreas de interesse comum; (ii) reunir esforços e conhecimentos técnicos; (iii) usar e alavancar seus recursos e instalações existentes para vantagem e benefício mútuos; (iv) colaborar na promoção, preparação e organização de workshops, conferências, seminários de treinamento e/ou intercâmbios de conhecimento; (v) colaborar na organização e execução de projetos e pesquisas; (vi) engajar-se conjuntamente em um diálogo com stakeholders e outras partes interessadas nas atividades que estão sendo realizadas no âmbito deste MOU; (vii) colaborar sobre formas de se associar a outras entidades envolvidas em atividades semelhantes, suplementares ou relacionadas às que estão sendo realizadas neste MOU; (viii) colaborar na disseminação das lições aprendidas e resultados das atividades que estão sendo realizadas no âmbito deste MOU por meio de publicações, internet, seminários, workshops, conferências e outros 71 meios facilmente acessíveis; e (ix) avaliar periodicamente a eficácia do trabalho colaborativo entre si, tendo em vista seus respectivos mandatos e prioridades. LAND RESTITUTION AND PEACEBUILDING IN INDIGENOUS TERRITORIES (VER ANEXO 1) Atualmente, está em implementação junto ao MPI o Projeto Land Restitution and Peacebuilding in Indigenous Territories, que tem como objetivo apoiar os esforços institucionais do Ministério dos Povos Indígenas para prevenir e reduzir os altos níveis de conflitos relacionados à terra e a violência contra as comunidades indígenas do Brasil. Dentre as atividades e produtos previstos, o Projeto incluirá três componentes para fortalecer o MPI em sua capacidade de mediar conflitos, proteger e promover a paz nesses territórios, sendo que seus componentes devem: (i) apoiar o desenvolvimento de um mapeamento de conflitos em Terras Indígenas em uma plataforma digital – observatório de conflitos e violência; (ii) produção de notas técnicas que consolidam informações sobre a dinâmica e os atores de conflitos fundiários envolvendo comunidades indígenas, com análises antropológicas e jurídicas e identificação de exemplos administrativos com recomendações para resolvê-los; e (iii) realizar consultas significativas com organizações que representam os Povos Indígenas e apoiar o treinamento, a geração e a disseminação de conhecimento para os atores envolvidos na implementação de medidas de mediação de conflitos. As atividades propostas também informariam e forneceriam insumos para o envolvimento contínuo do Banco Mundial nos estados e municípios por meio de operações voltadas para as comunidades indígenas. 38 38 Os recursos para o desenvolvimento das ações são provenientes do State and Peacebuilding Fund (SPF), que tem como objetivo melhorar e expandir as fronteiras do envolvimento do Banco Mundial para ajudar os países a lidar com os fatores e impactos da fragilidade, conflito e violência (FCV) e fortalecer a resiliência dos países e das populações, comunidades e instituições afetadas. O SPF é um componente importante da resposta do Banco Mundial à FCV e apoia o progresso em direção à missão do Banco Mundial de erradicar a pobreza extrema e impulsionar a prosperidade compartilhada de forma sustentável, e em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. 72 Como já destacado, os Povos Indígenas historicamente protegem grande parte do bioma amazônico brasileiro. As Terras Indígenas detêm cerca de 23% (97,2 milhões de ha) da área florestal e prestam um serviço global armazenando 14,2 bilhões de toneladas de carbono (GtC).39 Embora as Terras Indígenas cubram uma enorme área do bioma amazônico brasileiro, elas contribuem com menos emissões (<3%) do que todas as outras categorias de terras.40 A baixa taxa média de desmatamento nas Terras Indígenas é resultado do uso peculiar dos recursos naturais pelos Povos Indígenas e de seus costumes e tradições.41 Além disso, as próprias iniciativas dos Povos Indígenas para proteger suas terras têm sido cruciais para reduzir a destruição da floresta. Por exemplo, vários grupos estão monitorando as fronteiras de suas terras para evitar o desmatamento ilegal e o fogo – essa prevenção tem sido feita usando suas próprias ferramentas de monitoramento digital, como plataforma web, aplicativos para smartphones e grandes bancos de dados e mapeamento. Além disso, a autodefesa dos Povos Indígenas de seus direitos à terra está permitindo que a justiça brasileira (por exemplo, Conselho Nacional de Justiça, Supremo Tribunal Federal e Ministério Público Federal) solicite mais proteção às suas terras, reforçando o papel de proteção da floresta. A figura dos Agentes Ambientais e Territoriais Indígenas (AAIs) tem sido fundamental nas ações de conservação, reflorestamento, desenvolvimento de ações de sociobioeconomia e redução de invasões, inclusive com as experiências de profissionalização da categoria no Acre e da criação participativa do PL 2936/2022, liderado pela ex-deputada federal e atual presidente da Funai Joênia Wapichana (apensado ao PL 4347/2021, que institui a PNGATI, também de sua autoria). Com uma atuação ao mesmo tempo ampla e transversal, eles operam como multiplicadores de ações de gestão ambiental em seus 39 https://carboncal.org.br/ 40 Soares-Filho, B., P. Moutinho, D. Nepstad, A. Anderson, H. Rodrigues, R. Garcia, L. Dietzsch, et al. 2010. “Role of Brazilian Amazon Protected Areas in Climate Change Mitigation.” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 107 (24). https://doi.org/10.1073/pnas.0913048107 41 FAO and FILAC. 2021. Forest governance by indigenous and tribal peoples. An opportunity for climate action in Latin America and the Caribbean. Santiago. FAO. https://doi.org/10.4060/cb2953en 73 territórios, articulando proteção, manejo e gestão das Terras Indígenas com planejamento e ações de vigilância (em estreita relação com os PGTAs). Além disso, também cabe ao AAI o estímulo à participação dos Povos Indígenas no planejamento de ações e políticas públicas de proteção territorial e a divulgação de informações sobre a situação ambiental das Terras Indígenas. Por fim, as campanhas promovidas pelos representantes indígenas da Amazônia em nível internacional estão mobilizando as comunidades globais, governos e investidores em favor da proteção dos direitos indígenas, trazendo mais segurança às suas terras contra o desmatamento ilegal. A Amazônia tem uma riqueza de ecossistemas que são indispensáveis para levar as contribuições da natureza a centenas de Povos Indígenas, comunidades quilombolas e comunidades tradicionais (incluindo grupos ribeirinhos e dependentes da floresta, bem como pequenos agricultores familiares). Esses grupos sociais se baseiam em seus conhecimentos tradicionais de biodiversidade para o equilíbrio alimentar, práticas de cura, crenças espirituais e rituais religiosos. A literatura científica internacional sobre conservação da biodiversidade tem destacado a relevância para a conservação da biodiversidade dos conhecimentos tradicionais detidos pelos Povos Indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia sobre como utilizar a base dos recursos naturais. Tem ressaltado também que os sistemas de gestão ambiental dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais são baseados em um extenso e detalhado conhecimento ecológico acumulado ao longo de várias gerações e que esses sistemas são altamente relevantes para a conservação da agrobiodiversidade e para a segurança alimentar no atual contexto global de mudanças climáticas, aumento populacional e erosão da diversidade genética de cultivares de plantas. Centradas em um grande número de variedades de plantas cultivadas, as práticas agrícolas dos Povos Indígenas (e também das comunidades tradicionais) e as florestas humanizadas que criaram desempenharam um papel central na formação de solos altamente produtivos (terra preta) e na domesticação de plantas e culturas. 74 Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) e Protocolos de Consulta Ao contrário do que prevê o PNGATI, o direito à consulta e ao consentimento dos Povos Indígenas para sua participação informada não foi respeitado ou implementado em grau significativo. Geralmente, essas infrações ocorrem durante conflitos que afetam a sociobiodiversidade e a vida e os territórios dos povos e comunidades que habitam as diversas ecorregiões do Brasil: Amazônia, Cerrado, Pantanal, Caatinga Nordeste, Mata Atlântica e Pampa, no sul do país. É também uma tendência quando se realizam megaempreendimentos ou projetos extrativistas. Não há uma regulamentação nacional de consulta e consentimento livre, prévio e informado no Brasil. Desde 2014, Povos Indígenas e povos tradicionais e comunidades vêm desenvolvendo seus protocolos de consulta na Amazônia e em outras regiões brasileiras. Várias decisões judiciais determinaram que povos e comunidades sejam consultados de acordo com seus protocolos. A primeira dessas decisões ocorreu em 2017, quando o Departamento de Justiça obrigou o Estado brasileiro a usar o protocolo do povo Juruna (Yudjá) para consultar sobre a exploração de ouro pela empresa canadense Belo Sun. Os protocolos autônomos de consulta indígena articulam como, onde e quando os Povos Indígenas desejam ser consultados e estabelecem as regras e procedimentos para sua implementação, incluindo questões relativas à representatividade e legitimidade das decisões. 75 Há uma visão crescente da bioeconomia como um motor de desenvolvimento que aproveita a vocação econômica do Brasil (e particularmente da região amazônica), constituindo-se em uma rota alternativa para o desenvolvimento sustentável. A bioeconomia seria capaz de fomentar a industrialização das cadeias produtivas da biodiversidade, combinando o conhecimento tradicional com a inovação tecnológica (pesquisa e desenvolvimento), agregando valor à produção de sistemas agroflorestais, promovendo a recuperação de áreas desmatadas e a conservação florestal, levando à inclusão social das comunidades locais. Ao mesmo tempo em que protege a floresta em pé, a produção agroflorestal de alguns produtos florestais nativos não madeireiros (como açaí, castanha-do-pará, pupunha, cupuaçu, camu-camu, cacau e borracha) apresenta-se como mais rentável do que a pecuária e a monocultura da soja. Estima-se que a produção de açaí tenha uma rentabilidade por área de produção dez vezes maior do que a pecuária e cinco vezes maior do que a cultura da soja na Amazônia. Assegurar os direitos dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais à terra e à manutenção de práticas tradicionais de manejo – dentro ou fora de áreas protegidas – está intimamente relacionado a uma estratégia de conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos a um custo relativamente baixo. Esse custo é muito menor do que os custos inerentes à restauração de ecossistemas – que podem ser promovidos pelo pagamento de serviços ecossistêmicos ou políticas de compensação da biodiversidade. Embora o papel desempenhado pelas práticas indígenas amazônicas atuais na conservação e no aumento da biodiversidade, tanto na natureza quanto em seus campos cultivados, esteja se tornando mais plenamente reconhecido, a proteção e a partilha dos benefícios derivados de suas contribuições ainda carecem de atenção adequada nas políticas públicas. O Brasil foi um dos países pioneiros na implementação de um marco regulatório sobre acesso ao patrimônio genético, conhecimento tradicional associado e repartição de benefícios (Medida Provisória 2186-16/2001). O país assinou a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB – Protocolo de Nagoya) em 2010. Em 2015, entrou em vigor a Lei da Biodiversidade (Lei 13.123/2015, regulamentada pelo Decreto 8.772/2016) – totalmente 76 alinhada ao CDB, com o objetivo de evitar a biopirataria e garantir a repartição dos benefícios do uso da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais de forma justa e equitativa. A Lei da Biodiversidade abrange questões relacionadas aos direitos dos detentores de conhecimentos tradicionais e obrigações dos usuários de conhecimentos tradicionais contemplando temas como: (a) acesso ao patrimônio genético do país e aos conhecimentos tradicionais a ele associados, (b) obtenção de acesso à transferência tecnológica e tecnológica visando à conservação e uso da biodiversidade, (c) exploração econômica de bens relacionados ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional; d) estabelecimento de um regime equitativo de repartição dos benefícios através do pagamento pelo utilizador de compensações monetárias e/ou não monetárias; e) exportação de patrimônio genético; e (f) implementação dos tratados internacionais ratificados pelo Congresso. No entanto, a Lei da Biodiversidade poupa muitos usuários das obrigações relacionadas à repartição de benefícios. De acordo com a Lei da Biodiversidade, o conhecimento tradicional refere-se a todas as informações e práticas que a população indígena, as comunidades tradicionais e os agricultores detêm sobre as características e usos diretos e indiretos do patrimônio genético. A lei diferencia dois tipos de conhecimentos tradicionais: aquele cujas origens podem ser atribuídas a grupos sociais específicos e aquele cujas origens não podem ser atribuídas a grupos específicos. O regime de repartição de benefícios prevê uma compensação monetária e não monetária para o conhecimento tradicional transferível e apenas uma compensação não monetária para o conhecimento não transferível. A lei também estabelece a necessidade de consentimento livre, prévio e informado dos detentores de conhecimentos tradicionais consignáveis ao seu uso. 77 A Lei da Biodiversidade criou o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) e o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB). Desde novembro de 2017, para desenvolver atividades relacionadas ao patrimônio genético e associados, os usuários tradicionais devem se cadastrar no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen). A implementação do FNRB, no entanto, tem sido marcada por muitos desafios técnicos. Apesar do seu caráter inovador e promissor, a Lei da Biodiversidade tem sido alvo de críticas por parte da comunidade científica, estudiosos, ONGs e organizações representativas dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais. Inicialmente, os principais argumentos levantados contra os dispositivos da lei incluíam: (i) a falta de participação de representantes detentores de conhecimentos tradicionais (Povos Indígenas e comunidades tradicionais), uma vez que as negociações eram realizadas apenas com usuários, empresas de biotecnologia e pesquisadores que tinham seus interesses reclamados relacionados à burocratização dos procedimentos de registro, isenções e remissão de dívidas contempladas; (ii) o registro dos conhecimentos tradicionais associados em bases de dados sobre as quais seus titulares não têm controle sobre acesso e uso; (iii) a isenção do acesso ao conhecimento tradicional associado não cedível do consentimento prévio e informado; (iv) a distinção entre “titulares” e “provedores” de conhecimento tradicional, uma vez que a assinatura de Contratos de Repartição de Benefícios só é concedida a estes últimos; (v) a exclusão de representantes de povos e comunidades tradicionais das negociações de acordos setoriais (firmados entre o governo e os usuários); (vi) a isenção de repartição de benefícios concedida às microempresas, empresas de pequeno porte, microempreendedores individuais, produtores tradicionais e suas cooperativas, bem como aos usuários que tiveram acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado antes da edição da Medida Provisória 2186-16/2001; e (vii) o fato de a lei não definir o crime de biopirataria, nem exigir a oitiva dos “órgãos oficiais” responsáveis pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais. Face essas críticas, Povos Indígenas, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil solidárias vêm demandando uma mudança paradigmática que seria necessária para que a Lei da Biodiversidade passe a 78 funcionar de maneira mais adequada. Essa mudança paradigmática consistiria principalmente no (i) empoderamento dos Povos Indígenas nos processos decisórios e de gestão da FNRB pelo CGen; (ii) nos acordos diretos de uso de seus conhecimentos tradicionais sobre biodiversidade; e (iii) na pesquisa e desenvolvimento de novos produtos da biodiversidade. Essa mudança paradigmática exigiria o estabelecimento de um encontro respeitoso entre os saberes tradicionais e científicos, no qual jovens pesquisadores de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais estejam plenamente envolvidos e desempenhem um papel fundamental na ponte entre os dois modelos cognitivos, bem como a valorização de algumas iniciativas de base comunitária. Com relação às alternativas associadas à geração de renda pela prestação de serviços ambientais, tal qual já indicado, as Terras Indígenas desempenham um papel crucial na Amazônia brasileira no que diz respeito aos serviços ecossistêmicos, protegendo a floresta do desmatamento e da degradação, o que é essencial para manter o equilíbrio climático global e sustentar a produção local de alimentos e a segurança nutricional. Um caminho adicional para promover incentivos econômicos inovadores aos Povos Indígenas está baseado na Política Nacional de Pagamento de Serviços Ecossistêmicos, aprovada em 2021 pelo Congresso Nacional (Lei 14.119/2021). Essa Política representa um avanço significativo em prol da proteção ambiental. Por essa Lei, os PGTAs nas Terras Indígenas poderiam ser compensados financeiramente pela prestação de serviços ecossistêmicos. Por exemplo, essa lei estabelecia que os Povos Indígenas poderiam ser compensados pela conservação de paisagens de grande beleza cênica. Além disso, os recursos provenientes desta compensação devem ser aplicados “de acordo com os planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas, ou documentos equivalentes, elaborados pelos Povos Indígenas residentes em cada terra (incisos III da lei (art. 8º, IV)”. Todos os processos que envolvam PSE devem ser conduzidos considerando a consulta livre e prévia, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais e registrados por contratos (Seção IV; Art. 12º). No entanto, a lei de PSE não é explícita em relação a salvaguardas além da Convenção 169. Durante a implementação desta Política, é 79 necessário trabalhar no mecanismo para garantir a transparência e como os benefícios do PSE serão distribuídos entre as partes interessadas. Nesse sentido, a segurança fundiária é pré-condição e elemento essencial quando se trata de serviços ecossistêmicos e particularmente fundamental para os Povos Indígenas na Amazônia. De forma complementar, a aplicação dos PSE passa, em primeiro lugar, pela estruturação de um sistema de monitoramento e reporte dos resultados alcançados e de um mecanismo de distribuição de benefícios que reconheça e remunere diferentes fatores que contribuem para a conservação das florestas e para a promoção das atividades produtivas. O potencial de desenvolvimento econômico dos Povos Indígenas a partir de produtos florestais e serviços ambientais devem ser alavancados, contudo, por políticas públicas adaptadas. A falta de implementação de políticas públicas – como o PNGATI – traz diversas dificuldades para o estabelecimento de mecanismos que possam empoderar economicamente as comunidades indígenas, mantendo suas terras e florestas protegidas. Os Povos Indígenas da Amazônia brasileira têm experimentado atividades econômicas diferentes e inovadoras nas últimas décadas. Por exemplo, o artesanato que está sendo produzido por eles agora é comercializado por meio do e-commerce. Outras atividades econômicas incluem o turismo42 e a exploração de produtos não madeireiros, como a pimenta Baniwa, o guaraná Sateré-Mawé e o cogumelo Yanomami. O trabalho da Associação Rede de Sementes do Xingu também é notável, recuperando cerca de 5.000 hectares de floresta em 10 anos, utilizando sementes coletadas por 450 Povos Indígenas. Ao longo desse tempo, a receita para a Associação foi de R$ 2,5 milhões.43 42 Brandão, Cristiane Do Nascimento, José Carlos Barbieri, and Luis Claudio de Jesus Silva. 2012. “Turismo Sustentável Em Comunidades Indígenas Da Amazônia.” Revista de Administração de Roraima – RARR, Ed 2, Vol2, p 17 -28 , 2º Sem – BoaVista, 2012. https://doi.org/10.18227/rarr.v2i2.1136. 43 Marimon, A. S. (2020). Coletoras de sementes e semeadoras de florestas: O protagonismo das mulheres na Rede de Sementes do Xingu. 80 Foto: Agência Brasil Apesar dos produtos não madeireiros provenientes das florestas e de outros biomas brasileiros terem gerado cerca de R$ 1,6 bilhão em 2018, a economia dos Povos Indígenas da Amazônia parece estar baseada no serviço ambiental que eles poderiam prestar. O relatório da FAO sobre a governança florestal pelos Povos Indígenas em todo o mundo enfatiza a “lucratividade de investir em ação climática nos territórios indígenas”. O relatório estimou que a compensação aos Povos Indígenas brasileiros e colombianos pelo serviço já prestado na proteção da floresta contra o desmatamento pode chegar a 25-35 bilhões de dólares.44 É preciso entender que a economia indígena, em sua maioria, não é e não pretende ser baseada em elementos básicos da economia capitalista como a propriedade privada dos meios de produção, o pagamento pelo trabalho realizado e a geração de lucro. A economia dos Povos Indígenas compreende a pesca, a caça, a coleta de frutas e a agricultura de subsistência, e as Terras Indígenas são de uso coletivo nas quais o conceito de lucro é desconhecido. No entanto, os Povos Indígenas precisam de recursos financeiros para continuar vivendo em suas vastas terras. Iniciativas 44 FAO and FILAC. 2021. Forest governance by indigenous and tribal peoples. An opportunity for climate action in Latin America and the Caribbean. Santiago. FAO. https://doi.org/10.4060/cb2953en 81 de pagamento de serviços ambientais (PSA) constituem um caminho para o desenvolvimento econômico indígena em uma Amazônia dinâmica. Portanto, esse mecanismo se apresenta como uma iniciativa promissora para reduzir o desmatamento, com implicações para a produção e inclusão social. As florestas são fontes de subsistência e renda do Povos Indígenas e outras comunidades tradicionais. Como as Terras Indígenas protegem a floresta de forma eficiente do desmatamento e das emissões de gases de efeito estufa, os Povos Indígenas DGM para povos indígenas (ver Anexo 1) Atualmente está em implementação no Brasil o Projeto DGM/FIP/Brasil Fase 2, que dá continuidade ao Projeto DGM/FIP Brasil Fase 1. Ambos são partes integrantes do Mecanismo de Doação Dedicado a Povos Indígenas e Comunidades Locais (DGM-GLOBAL) do Programa de Investimentos Florestais (da sigla em inglês FIP) e seguem suas diretrizes e áreas temáticas. O DGM Fase 2 tem suas atividades centradas no Bioma Cerrado, que cobre quase 24% do país (2,04 milhões de km2). Com um mosaico de 23 tipos de vegetação (savanas tropicais, matas, campos e florestas), incluindo regiões que fazem parte da Amazônia Legal, é considerado um dos 34 hotspots globais de biodiversidade e abriga 41 povos indígenas. Os Povos Indígenas e as comunidades tradicionais têm contribuído para a conservação de seus habitats vivos (uma área que abrange cerca de 15% do bioma), contudo, assim como no caso do bioma amazônico, também no Cerrado seus sistemas tradicionais de gestão de uso da floresta/terra, meios de subsistência e sobrevivência cultural estão sob crescente ameaça devido a pressões externas e internas, que estão corroendo sua capacidade de adaptação e resiliência social. No Cerrado, as principais 82 poderiam ser compensados financeiramente mantendo o carbono fora da atmosfera. Em outras palavras, o PSA poderia ser uma fonte de recursos financeiros adicionais para as ações dos PGTAs, reforçando as diversas iniciativas econômicas que estão sendo promovidas por eles mesmos, apoiando suas ações independentes na proteção de suas terras contra desmatamento ilegal, mineração e extração de madeira ilegal, e promovendo a recuperação florestal ou agroflorestal. ameaças externas enfrentadas pelas Terras Indígenas e pelos territórios tradicionais estão relacionadas ao aumento da ocupação das áreas ao redor dos territórios indígenas e tradicionais nos últimos 20 anos pela monocultura de grãos (especialmente soja), atividade pecuária intensiva, urbanização e obras de construção atuais/projetadas, que provocaram a degradação, a poluição e o assoreamento dos rios, a morte de plantas e animais, mudanças no clima local e mudanças na dieta dos povos indígenas e das comunidades locais. O DGM é uma iniciativa global que apoia a participação plena e eficaz de Povos Indígenas e comunidades locais no esforço internacional para a redução das emissões de gases de efeito estufa por desmatamento e degradação florestal, bem como para a promoção do manejo florestal sustentável e os estoques de carbono florestal (REDD+). Mais do que o tamanho de seu financiamento, o DGM se destaca por sua característica de ter sido concebido por Povos Indígenas e comunidades locais, os quais lideram a governança do programa em todos os níveis, sendo essa uma iniciativa de vanguarda no Brasil. Esses grupos são líderes e beneficiários das atividades do DGM, garantindo que o apoio do programa seja guiado pela demanda e alinhado aos interesses locais para gerar a mudança a partir do zero. Neste caso, o Projeto se organiza em torno de dois eixos principais de atividades: (i) apoio a subprojetos comunitários (com fornecimento de assistência técnica e doações); e (ii) capacitação, redes e intercâmbio de conhecimento. 83 Foto: Agência Brasil 84 Recomendações e Estratégias Considerando os desafios e as perspectivas elaboradas anteriormente, serão apresentadas recomendações que, em alinhamento às estratégias de atuação do Banco Mundial para relação com os Povos Indígenas e para atuação na Amazônia, podem promover o fortalecimento de ações como (i) a melhoria da segurança dos territórios indígenas; (ii) o fortalecimento da governança; (iii) a promoção de investimentos públicos na prestação de serviços de qualidade e culturalmente apropriados; e (iv) o apoio aos sistemas indígenas para resiliência e subsistência, visando a mitigação e a adaptabilidade frente aos eventos climáticos extremos e a garantia da soberania alimentar. Tais enfoques são essenciais para reduzir os aspectos multidimensionais da pobreza, ao mesmo tempo em que contribuem para o desenvolvimento sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesse sentido, o Banco Mundial trabalha com os Povos Indígenas e governos para garantir que programas de desenvolvimento mais amplos reflitam as vozes e aspirações desses grupos, considerando suas particularidades e seus aspectos socioculturais. 85 Dentre os objetivos apoiados pelo Programa do Grupo Banco Mundial no âmbito da Estratégia de Parceria desenvolvida para o Brasil durante o período de 2024 a 202845, encontram-se agendas essenciais para os Povos Indígenas e a região amazônica, com foco na melhoria da governança e no fortalecimento das instituições. Como resultado desse enfoque, serão apoiados modelos de governança fundiária inclusivos, transparentes e sustentáveis para promover uma maior regularização fundiária de territórios indígenas/tradicionais. Além disso, na busca por melhores oportunidades para os Povos Indígenas, serão envidados esforços para garantir que eles (junto das mulheres e dos afro-brasileiros) se beneficiem da implementação de práticas ambientais sustentáveis por meio do acesso facilitado a tecnologias de agricultura regenerativa, sistemas produtivos de baixo carbono e financiamento verde, entre outros. Os engajamentos do Banco Mundial no Brasil serão compatíveis com o programa da América Latina e Caribe para a Amazônia, concentrando-se na busca de: (i) uma Amazônia verde — salvaguardar os ativos naturais por meio do fortalecimento da gestão florestal, fundiária e hídrica, das áreas protegidas, dos territórios indígenas e da regularização fundiária e ambiental; (ii) uma Amazônia próspera — promover oportunidades econômicas inteligentes em termos de natureza, promovendo a bioeconomia e cadeias de valor produtivas e sustentáveis, a agricultura de baixo carbono, a restauração florestal e os empregos urbanos verdes; e (iii) uma Amazônia habitável — atender às pessoas, melhorando os serviços rurais de saúde e educação, as infraestruturas básicas e a conectividade e promovendo cidades sustentáveis e resilientes. Historicamente, o apoio do Banco Mundial na região da Amazônia desde a década de 1990 já contribuiu com a demarcação de Terras Indígenas em uma área do tamanho da Suécia; com o estabelecimento de reservas extrativistas geridas pela comunidade; com maior adoção de abordagens de manejo florestal certificadas; com o fortalecimento institucional 45 Country Partnership Framework (CPF) 86 significativo em níveis federal e estadual; e com abordagens participativas em centenas de comunidades e organizações da sociedade civil46. Do ponto de vista da atuação do Banco Mundial, neste momento, tem- se buscado o envolvimento com organizações de Povos Indígenas para melhor entender e desenvolver o conhecimento tradicional para soluções de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Por meio de doações diretas a organizações indígenas e da inclusão em programas nacionais, o Banco também está trabalhando para promover o reconhecimento e o fortalecimento das contribuições significativas dos Povos Indígenas como gestores das florestas e da biodiversidade do mundo. Com uma estratégia baseada no aproveitamento dos compromissos existentes para obter maior impacto, o Banco Mundial, através da articulação de seus projetos, tem como visão a construção de uma Amazônia sustentável (verde, próspera e habitável), na qual deve-se garantir a salvaguarda dos ativos naturais, o fortalecimento das oportunidades econômicas inteligentes em relação à natureza e ao serviço às pessoas. Tal estratégia é conformada pelos eixos (i) rios limpos e de fluxo livre; (ii) áreas protegidas; (iii) governança territorial/fundiária; (iv) crescimento da bioeconomia; (v) capacitação do setor privado; (vi) finanças públicas e governança; (vii) cidades sustentáveis e resilientes; (viii) desenvolvimento centrado nas pessoas; (ix) melhoria da conectividade; (x) energia acessível, sustentável e limpa. A fim de buscar o aumento dos benefícios e dos impactos positivos e ajudar a preencher as lacunas de financiamento para a região amazônica, tem-se como linhas de ação: • Priorizar investimentos para reduzir o desmatamento nos biomas da Amazônia e do Cerrado, com (i) foco em investimentos críticos para atingir as metas de desmatamento em curto prazo (ii) resistentes à reversão de políticas e (iii) replicáveis e escaláveis. 46 https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/overview#3 87 • Simplificar os empréstimos para ações prioritárias. • Auxiliar o governo brasileiro a melhorar o uso dos recursos existentes (reforma dos sistemas de crédito público e do fundo climático, fortalecimento dos órgãos ambientais e da administração pública, etc.) • Fornecer assessoria para reformar o mecanismo de transferência fiscal, incluindo elementos baseados em desempenho para estados e municípios, beneficiando aqueles que reduzirem as taxas de desmatamento. • Alavancar o financiamento privado criando condições favoráveis (garantias para Parcerias Público Privadas, segurança de posse, concessões florestais, garantias de financiamento de carbono etc.) • Ajudar a mobilizar o financiamento do carbono florestal e criar a prontidão e a infraestrutura necessárias para o REDD+. Considerando a relação do Banco Mundial junto aos seus Mutuários em projetos nos quais a NAS 7 seja avaliada como relevante, e visando fechar as lacunas identificadas entre a legislação nacional e a referida NAS, recomenda-se que: • Em relação às consultas aos Povos Indígenas, os Mutuários devem sempre buscar o envolvimento das associações ou organizações indígenas que representem os povos em questão. O engajamento e o contato dos Mutuários com as populações afetadas devem ser estabelecidos nas etapas de concepção e planejamento do projeto, de forma que as considerações registradas possam ser incorporadas às atividades propostas. • Considerando mais especificamente a implementação dessas consultas, recomenda-se que os Mutuários adotem, quando pertinente, os 88 Protocolos de Consulta desenvolvidos pelos Povos Indígenas (quando disponíveis) e, caso haja o interesse por parte dos grupos indígenas, apoiem a elaboração dos mesmos onde eles não estejam disponíveis, de modo a assegurar que esse processo seja culturalmente adequado. • Em complementação à recomendação anterior, recomenda-se que o Banco Mundial trabalhe em colaboração com os Mutuários para desenvolver diretrizes claras de engajamento e consulta junto aos Povos Indígenas, divulgando amplamente o conteúdo da NAS 7. Este esforço pode incluir workshops, sessões de formação, cursos online, materiais impressos e divulgação nas redes sociais de forma a orientar os órgãos de governo e outras instituições associadas ao tema (associações indígenas, organizações da sociedade civil, instituições de pesquisa etc.) • Considerando as fragilidades institucionais que obstam o cumprimento do marco legal brasileiro, recomenda-se também a realização, pelo Banco Mundial, de atividades que promovam o diálogo e a troca de experiências entre as principais instituições envolvidas com a política indigenista no país – como as agências governamentais (MPF, Funai, MPI e outras), associações indígenas, universidades, organizações da sociedade civil e instituições de pesquisa. Ao mesmo tempo, em linha com as necessidades levantadas pela comunidade científica e pelas organizações indígenas e grupos que as apoiam, assim como em consonância com as recomendações do CCDR (2023), deve-se ter no horizonte o apoio a ações estratégicas e políticas efetivas por parte do Estado brasileiro, como: • A retomada das demarcações territoriais tradicionalmente ocupadas por Povos Indígenas, Quilombolas e Povos e Comunidades Tradicionais. 89 • A efetiva dissuasão do garimpo ilegal, da extração de madeira, da grilagem de terras e do desmatamento de Terras Indígenas, acelerando a demarcação, regularização e proteção de Terras Indígenas, quilombolas e territórios tradicionais e implementando ações de monitoramento, comando e controle que garantam a segurança territorial e física desses povos. • O fortalecimento da governança fundiária, incluindo a provisão de recursos adequados para o monitoramento de florestas por satélite (por exemplo, PRODES e DETER) e órgãos de fiscalização, com o fim da interferência política e eliminação de incertezas sobre a implementação de leis. • A modernização das práticas de registro, análise e validação fundiários, que também acelerariam a validação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que, por sua vez, possibilitaria a utilização de instrumentos do Código Florestal, tais como o mecanismo de comercialização de certificados florestais. • O reconhecimento e a valorização do papel fundamental que os Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (e as terras sob seu controle) desempenham na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, barrando o desmatamento e a perda de biodiversidade. • A promoção do Etnodesenvolvimento dentro dessas comunidades respeitando seus modos de vida tradicionais, valorizando seus saberes tradicionais e projetos de vida. Uma vez que os territórios estejam estabelecidos e protegidos, de modo a assegurar a manutenção e a reprodução física e sociocultural desses povos – que garantem a preservação florestal, a conservação da biodiversidade e a redução do desmatamento –, os benefícios experimentados alcançarão não somente eles próprios (que, antes de tudo, devem ter seus direitos básicos garantidos), mas também Amazônia em geral e, consequentemente, todo o planeta. 90 Anexo 1 Portifólio Brasil – Projetos com relação direta com Populações Indígenas Programa Paisagens Sustentáveis da Amazônia O Programa Global Environment Facility Trust Fund (GEF) Paisagens Sustentáveis da Amazônia (Programa ASL), que tem como objetivo proteger as áreas de ecossistemas florestais amazônicos globalmente relevantes, além de implementar políticas para promover o uso sustentável dos recursos naturais e a restauração da cobertura da vegetação nativa na região. O Projeto nacional brasileiro foi elaborado com base nas experiências de trabalho na Amazônia brasileira, para fortalecer a conservação da biodiversidade, reduzir o desmatamento e melhorar os meios de subsistência das comunidades locais. O projeto ASL não é voltado diretamente para povos indígenas, porém, como algumas atividades tangem povos indígenas cujos territórios estão na área de entorno ou sobrepostas, ou ainda povos que vivem em Unidades de Conservação, como APAs e RDS, como os Kambeba e Baré, na APA Margem Esquerda do Rio Negro. Nesse contexto, além de propor ações de controle e monitoramento com as políticas de salvaguardas socioambientais do projeto, evitando e/ou minimizando potenciais impactos negativos, os povos indígenas podem participar das ações de restauração florestal, acordos de pesca, planos de gestão, planos de manejo, etc. 91 Mecanismo de Doação Dedicado aos Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais no Âmbito do Programa de Investimento Florestal – DGM/BRASIL (Fase 2) O Mecanismo de Doação Dedicado a Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais - Dedicated Grant Mechanism (DGM) Global é uma iniciativa estabelecida no âmbito do FIP/Programa de Investimento Florestal, com a finalidade de conceder subsídios destinados aos Povos Indígenas e Comunidades Locais (PICL) e apoiar suas iniciativas em 14 países do FIP, visando fortalecer a sua participação na discussão sobre mecanismo REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação). Ampliando a conservação, o manejo e aumento dos estoques de carbono florestal em nível local, nacional e global. O FIP é um dos três programas que compõem o Fundo Estratégico do Clima (Strategic Climate Fund - SCF). Por sua vez, o Fundo Estratégico do Clima (SCF) faz parte dos Fundos de Investimento em Clima (Climate Investment Funds - CIF). O DGM Brasil se insere no DGM Global e é um fundo de apoio aos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades Tradicionais do Cerrado Brasileiro, fazendo parte do Programa de Investimento Florestal (Programa DGM/FIP/Brasil). Este fundo apoiará projetos que evitem o desmatamento e a degradação do Cerrado, que promovam a proteção, a conservação dos recursos naturais (especialmente florestais) e a inclusão social. Através destes projetos serão fomentadas ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Em sua primeira etapa, o DGM Brasil, apoiou 64 subprojetos que promoveram a agroecologia, o agroextrativismo sustentável, a recuperação dos recursos naturais, a conservação da biodiversidade, a diversificação de mercados e a elaboração de planos de gestão ambiental e territorial. De forma geral o DGM beneficiou diretamente 51 subprojetos para Povos Indígenas, de diferentes territórios, entre eles os Povos Apinajé, Atikum, Bakairi, Enawenê Nawê, Fulniô, Guarani-Kaiowá, Guarani Nhandeva, Guajajara, Krikati, Krahô, Krahô- Kanela, Karajá, Kinikinau, Myky, Terena, Tuxá, Xakriabá, Xavante e Xerente. 92 Projeto Bahia que Produz e Alimenta O Projeto Bahia que Produz e Alimenta apoiará, em todo o estado da Bahia, o incremento à produtividade agropecuária, melhorias no acesso ao mercado e ações estratégicas no desenvolvimento da resiliência climática na agricultura familiar, ao mesmo tempo que expandirá o acesso a serviços de água em comunidades rurais selecionadas, contemplando Organizações Produtivas, agricultores familiares, povos indígenas e comunidades tradicionais. O projeto se encontra na fase de preparação, quando foi elaborado um Marco da Política para Povos Indígenas, no intuito de estabelecer os princípios, diretrizes e estratégias para assegurar a participação ativa e significativa dos povos indígenas, seja para assegurar que eles não sejam excluídos dos seus benefícios e que, tampouco, sejam eventualmente afetados pelas suas atividades. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável em Pernambuco O Projeto Pernambuco Agroecológico (PEAgro) visa promover o desenvolvimento rural sustentável e uma maior equidade de gênero no meio rural por meio da proteção e restauração dos recursos ambientais e da ampliação e diversificação da produção agroecológica e orgânica da agricultura familiar no estado de Pernambuco. O projeto contemplará os povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores, marisqueiras e vaqueiros) nos territórios atendidos pelo projeto, tendo como base o respeito à sua cultura, saberes e tradições. Os povos indígenas de Pernambuco serão convidados e consultados para as ações do projeto, por intermédio das suas instâncias de organização sociopolíticas de forma a estabelecer diálogos interculturais, numa perspectiva participativa, inclusiva, colaborativa e dialogada para a construção e implementação em conjunto de projetos advindos da demanda local. Para atender os povos indígenas no PE Agroecológico serão desenvolvidas parcerias com as organizações indígenas, 93 indigenistas e com todas as instâncias governamentais relevantes. O monitoramento e avaliação da participação das populações indígenas adotarão a mesma metodologia do PE Agroecológico e os indicadores estabelecidos para acompanhamento desse grupo. Mato Grosso Produtivo O MT Produtivo tem por objetivo promover o desenvolvimento rural sustentável da Agricultura Familiar, dos Povos Indígenas e das Comunidades Tradicionais a partir da melhoria da produção, do fortalecimento das cadeias produtivas, do aumento da competitividade e do acesso a mercados de maneira inclusiva e sustentável. Não é esperado que o Projeto tenha qualquer impacto adverso nos Povos Indígenas. Ao contrário, ele pode contribuir para promover intervenções de desenvolvimento sustentável que os beneficiem, melhorem seu padrão de vida e meios de subsistência de uma maneira que respeite suas aspirações, identidades culturais únicas, conhecimento tradicional e meios de subsistência baseados em recursos naturais e que seja culturalmente apropriado e inclusivo. O projeto se encontra na fase de preparação, quando foi elaborado um Quadro de Planejamento para os Povos Indígenas, no intuito de estabelecer os princípios, diretrizes e estratégias para assegurar a participação ativa e significativa dos povos indígenas, seja para assegurar que eles não sejam excluídos dos seus benefícios e que, tampouco, sejam eventualmente afetados pelas suas atividades. Apesar da estratégia para atendimento aos Povos Indígenas ainda não estar definida, na etapa de preparação já foram realizados diálogos, consultas e atividades de escuta com associações e lideranças indígenas a fim de que suas contribuições sejam registradas e, na medida do possível, incorporadas ao Projeto. Projeto Aprendizado Digital, Inclusivo e Sustentável do Mato Grosso – PADIS MT Com foco no apoio ao estado e sua estratégia de recuperação e aceleração da aprendizagem, o Projeto abordará os principais desafios inter- relacionados na educação. As populações indígenas beneficiadas serão 94 atendidas dentro do componente 3, que visa criar ambientes adequados de aprendizagem por meio de reformas e manutenção da infraestrutura escolar, além de adaptações para fomentar escolas mais resilientes aos potenciais impactos da mudança do clima, e promover ambientes escolares mais seguros e inclusivos – dentro deste componente está previsto um subcomponente voltado para a prevenção da violência e promoção da inclusão, que também se estende às escolas indígenas. A Estratégia para povos indígenas do PADIS MT foi desenhada em conjunto com o Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso. Foram dezenas de reuniões ao longo de um ano para definir como e quais escolas indígenas serão atendidas. O projeto contou com uma preparação diferenciada, partindo de uma construção coletiva, com protagonismo dos povos indígenas nas decisões do projeto que afetam diretamente os povos originários de Mato Grosso. Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia O Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias do Estado da Bahia – Pró-Rodovias visa melhorar o acesso a oportunidades econômicas para a população da Bahia mediante a melhora das condições de tráfego, segurança viária e resistência climática da malha rodoviária, aumentando a sustentabilidade da infraestrutura do estado. Dentro do Subcomponente 3.3 (dedicado à recuperação de estradas vicinais), a SEINFRA realizará ações voltadas para a execução de obras em estradas vicinais de municípios reunidos em Consórcios Intermunicipais, dentre os quais se registra a presença dos Povos Indígenas Tumbalalá e Pataxó Hã-Hã- Hãe. Essas ações terão como objetivos: a melhoria das condições de tráfego ao longo de todo o ano nas estradas municipais (rurais) não pavimentadas e a ampliação do grau de acesso dos produtores ao mercado e o alcance de níveis maiores de mobilidade por parte dos moradores do entorno do projeto viabilizando o acesso das comunidades à escola e serviços de saúde. 95 Durante a etapa de preparação do Projeto foi elaborado um Plano de Povos Indígenas, no qual ficaram estabelecidas as atividades de consulta, participação e engajamento dos Povos Indígenas atendidos, assim como a garantia do atendimento a protocolos de conduta dos trabalhadores da obra, estabelecidos a partir de diretrizes definidas pelos povos indígenas. Dentre as definições adotadas, estabeleceu-se que os dois grupos que estão na área geográfica de atuação das atividades não irão concorrer por recursos com as demais solicitações, estando, portanto, o seu atendimento assegurado. A definição dos trechos prioritários a serem recuperados também foi definido pelos próprios grupos indígenas. Programa de Manutenção Proativa, Segura e Resiliente das Rodovias no Brasil – Estado do Mato Grosso do Sul – Fase 4 Em fase de preparação, o Projeto tem como objetivo garantir o acesso e tráfego sustentável, seguro e resiliente aos eventos climáticos extremos nas rodovias estaduais, promover o desenvolvimento socioeconômico, o fortalecimento institucional e melhorar o acesso aos ambientes de aprendizagem e desenvolvimento humano no Estado de Mato Grosso do Sul, com a integração de aspectos ambientais, sociais e de segurança viária. Estão previstas melhorias relacionadas à segurança viária no entorno de escolas indígenas – previamente selecionadas por meio de consultas e diálogos entre as instituições estaduais e lideranças e associações indígenas. A definição das diretrizes para o engajamento culturalmente adequado dos grupos indígenas que terão relação com Projeto foram desenvolvidas no âmbito do Plano de Engajamento das Partes Interessadas, divulgado e em processo de consulta, de modo a garantir de que os eventuais riscos decorrentes do Projeto sejam evitados e/ou mitigados e que seus benefícios sejam potencializados e acessados por esses grupos de maneira adequada. 96 Restituição de Terras como Construção da Paz em Territórios Indígenas O Projeto é financiado pelo Fundo de Estado e de Consolidação da Paz (State and Peacebuilding Fund, SPF), um fundo de doação do Banco Mundial que destina recursos para atividades de prevenção de conflitos e fortalecimento da resiliência em situações de fragilidade, conflito e violência. O projeto visa apoiar e fortalecer os esforços institucionais do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) na prevenção e redução dos altos níveis de violência contra as comunidades indígenas causados por conflitos fundiários, e é estruturado em três componentes principais: o mapeamento de conflitos fundiários em territórios indígenas, a produção de notas técnicas para mediação e resolução de conflitos, e a disseminação de conhecimento. O primeiro componente foca na consolidação e sistematização de informações de processos administrativos e judiciais referentes a conflitos em territórios indígenas e a criação de uma plataforma de gestão de informações sobre conflitos, integrada com sistemas governamentais, para subsidiar as ações de prevenção e resolução do MPI. O segundo componente visa a elaboração de notas técnicas para a análise e recomendação de práticas jurídicas e administrativas para mediação desses conflitos, enquanto o terceiro promove o engajamento com lideranças indígenas e autoridades para estabelecer fluxos de ações interinstitucionais a serem acionados em caso de conflitos fundiários. Esses esforços buscam reforçar a capacidade institucional do MPI, promovendo a proteção dos territórios indígenas e a construção da paz. 97 Referências Bibliográficas ALENCAR, A. et al. The Amazon in Flames: Fire and Deforestation in 2019 and What’s to Come in 2020. [s.l.] IPAM Amazônia, abr. 2020. Disponível em: . AZEVENDO-RAMOS, C. et al. Lawless Land in No Man’s Land: The Undesignated Public Forests in the Brazilian Amazon. Land Use Policy, v. 99, dez. 2020. BANCO MUNDIAL. O Banco Mundial no Brasil. Disponível em: . BRANDÃO, C. DO N.; BARBIERI, J. C.; DE JESUS SILVA, L. C. Turismo Sustentável Em Comunidades Indígenas Da Amazônia. 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